Arquivo da Saudade
Todos nós possuímos um “arquivo da saudade”, algo que mantemos bem guardado em nosso inconsciente e que nos remete à outra época, à algum momento feliz de nossa história, mesmo que distante, para isso basta uma imagem, uma música, um cheiro, ou qualquer coisa que possa ser captada por algum dos nossos sentidos.
Na verdade, esse nosso arquivo está repleto de saudosas lembranças, de bons momentos da vida, cada uma com a sua identidade própria e marcante em nossa linha do tempo.
Hoje resgatei um destes momentos, e o veículo que transportou-me a este passado marcante foi o olfato.
Todo dia meu pai costumava assistir TV até tarde da noite, fechava a porta da sala para que o cheiro do cigarro não se espalhasse por toda casa, e lá ficava fumando até que conseguisse vencer a insônia e finalmente poder repousar algumas horas antes que o despertador o lembrasse que já era hora de acordar e enfrentar novamente a batalha diária de um pai de família.
Porém, antes de dirigir-se a sua cama, ele vinha até o meu quarto, e embora eu já estivesse dormindo, consigo lembrar-me nitidamente deste momento, um afago em meus cabelos, um beijo no rosto, um “durma com Deus meu filho” e aquele cheiro da fumaça do cigarro que insistia em ficar impregnada em seus cabelos.
Estranho como eu gostava daquele cheiro, um cheiro que inspirava segurança, como se nada de mau pudesse me atingir a partir daquele momento, algo que me protegeria pelas próximas 24 horas, até que todo este ritual pudesse ser repetido.
O mais estranho foi que o cheiro que remeteu-me a este passado não foi simplesmente o cheiro da fumaça de um cigarro impregnada no cabelo de alguém, foi sim um cheiro de fumaça de cigarro, porém havia um leve cheiro de hortelã misturado ao da fumaça, foi só então que atentei-me a um detalhe que por todos estes anos havia passado despercebido, o cheiro de hortelã dos dentes recém escovados de meu pai, toda noite antes de despedir-se de mim.
Pois é esse o lado mágico do “arquivo da saudade”, ele permanece tão bem guardado em nosso inconsciente que precisa sempre daquele algo a mais, do “cheiro da hortelã”, para na hora certa, no momento em que mais precisamos, seja resgatado e faça com que revivamos aquilo que ficou de bom na saudade, os bons momentos que passamos perto daqueles que tanto amamos e que por um motivo ou outro já não estão tão próximos.
Obrigado meu pai pelo cheiro de cada beijo seu de boa noite.