"BRAÇOS DADOS OU NÃO "

A gente vive em sociedade. Nos formamos com o contato com os outros: homens, mulheres, negros, índios, brancos, pobres, ricos, religiosos, incrédulos, homossexuais, heterossexuais... Independente de nossas definições, somos sujeitos coletivos, aprendemos nas situações diárias e nas relações sociais a formar nossos conceitos, nossos pré-conceitos e preconceitos sobre o outro, o comportamento do outro, o jeito do outro, os atos de fala do outro.

A coletividade nos aproxima e nos distância dos outros a todo momento. Esquecemos que é através do outro que concebemos o mundo ao nosso redor. As primeiras lições da vida, as primeiras palavras, a vida em sociedade, a construção da nossa subjetividade a partir das relações intersubjetivas.

Reproduzimos o que ouvimos, o que vivemos, a ação dos outros, as ideias dos outros. Nosso discurso é formado a partir dos discursos dos outros e é por esses discursos que passamos a fazer as primeiras leituras da vida! Nos descobrimos, pois, como seres sociais.

A construção desse ser social vai costurar o ser cultural que nos formamos, não que sejamos produto do meio, mas sofremos influência deste meio ao qual estamos inseridos: o modo de ver a organização social, as crenças, os costumes, o modo de agir, a reprovação dos atos e costumes, os modelos de afetividade, a memória da sociedade, os papéis sociais impostos pelos processos de interação, convivência, participação, atuação e comunicação na comunidade.

O ser social e cultural não é um ser estático, parado no tempo porque a sociedade está em constante movimento e mudanças. Muda o modo de produção, as concepções socioeconômicas, a organização da família, dos valores, dos conceitos, das atitudes, os atos de fala, dos pré-conceitos e preconceitos existentes, porque somos seres históricos e acompanhamos as mudanças socioculturais e históricas da sociedade.

Quando imperava o pensamento empírico nas primeiras comunidades, tudo era explicado pelas lendas, pela repetição, pela transmissão oral e participação na sociedade. As coisas eram porque eram e assim tinha de ser e quantos ainda vivem presos nesse período da história! Ainda não desencarnaram, não reencarnaram, não evoluíram, concebem as relações sociais como se vivêssemos na era da pedra lascada. Para estes sujeitos, o homem ainda não inventou a comunicação, a roda, não descobriu o fogo nem a escrita! Apenas a agricultura, o patriarcado, as relações de poder, a relação binária e a formação da família tradicional.

Muitos ainda não se deram conta que o pensamento evoluiu, saiu de um modelo empírico para um modelo filosófico! A Grécia surge como norteadora de um conhecimento mais consistente, questionador, racional e sensível, embora seja a partir dos mitos gregos, vem a descoberta do homem como ser político, inquieto, detentor do poder de transformação da sociedade através da arte e do questionamento. O homem capaz de pensar na existência humana e na origem do mundo. O conhecimento filosófico dá ao homem a possibilidade da democracia, de conceber a hierarquia, e o poder de representação das emoções humanas através do drama e da comédia, das fábulas moralizadoras.

No processo evolutivo, a filosofia é desmembrada, as religiões tomam espaço na sociedade, ditam regras, costumes, divulgam preceitos, dogmas e constituem uma forma de conhecimento chamado de teológico. Este conhecimento se torna expressivo na Idade Média quando a Igreja Católica é o próprio poder gerenciador do mundo. Os padres da época, nas igrejas e escolas de domínio religioso, difundem o pensamento dos grandes filósofos para justificar a ideologia religiosa da época.

A inquietação humana provoca rompimentos e a filosofia considerada ciência das ciências é desmembrada e nasce assim o conhecimento científico. A humanidade entra na Idade Moderna, cai a idade das trevas, nasce a era das luzes, rompe-se com o teocentrismo religioso, cria-se o antropocentrismo humanista e novas concepções de vida, sociedade, estado, formação humana, modelos de produção, estéticas artísticas, comportamento humano vão surgir para dizer, mais uma vez a humanidade, que somos seres sociais, culturais e históricos.

Nas revoluções sociais, os homens e as mulheres se descobrem senhores de si, seres capazes de rompimentos históricos com uma cultura de subserviência, dominação e exploração sexista. Uma nova concepção de sujeito social nasce longe das amarras e do pensamento pré-histórico de escravidão e opressão por uma cultura patriarcal, empírica, teocêntrica exploratória das relações macho e fêmea.

A tecnologia estreita a comunicação e novos hábitos, conceitos e discursos vão mudando o curso das relações sociais.

Depois de um histórico de dominação patriarcal, de uma sangrenta ditadura religiosa inquisitiva, de história de escravidão de um povo livre escravizado, depois livre e escravo ao mesmo tempo de uma sociedade racista, essas minorias estigmatizados pela história vêm, através da organização nos movimentos populares, construindo lugares na sociedade.

Fruto dessa luta temos a discussão sobre gênero e diversidade sexual, políticas públicas para que se chegue a igualdade racial, casamento igualitário para pessoas de mesma orientação sexual, leis para a criminalização da homofobia, assim como já é realidade a lei que criminaliza o racismo e a violência contra a mulher, sistema de cotas para minimizar as diferenças entre sujeitos sociais por questões de etnia, leis que garantam a igualdade de gênero nos espaços públicos e privados, emancipação feminina no mundo do trabalho, adoção de crianças por casais homoafetivo, inclusão das minorias e construção de leis que assegurem ações afirmativas e politicas públicas para todos e todas independentes das diferenças.

Vivemos em sociedade, embora não seja uma realidade ainda o modelo de sociedade registrado nos autos da lei. Questões que assegurem a cidadania plena, através do bem comum, ainda está distante de todas e todos nós: falta liberdade de expressão e respeito às diversidades; falta igualdade de direitos para todos e todas, inclusive para a comunidade lgbtt - mulheres - afrodescendentes - deficientes - soropositivo; falta dignidade para as mulheres transexuais, travestis, graus afeminados, lésbicas estigmatizadas pela sociedade, comprometimento dez políticas socioeducativas e geração de emprego e renda para as identidades de gêneros construídas a partir das identidades subjetivas...

Independente de darmos as mãos e caminhamos de mãos dadas, o Estado de direito existe para assegurar os direitos e os deveres de todos e todas! A classe política é eleita para garantir a criação de leis que contemplem o direito da igualdade assegurado na Constituição.

O Estado é laico, a sociedade é laica, existe espaço para todos e todas conviverem em estado de fraternidade e diálogos respeitosos.

Marcus Vinicius - provocador e militante do coletivo DêBandeira.