TARDE DE VERÃO
É uma sufocante tarde de verão. O dia está particularmente quente. Não há sol, mas o mormaço pesa, causando aquela sensação de estar dentro de um forno. Os termômetros da rua marcam 35 graus. Céu escuro, nuvens carregadas prenunciam a tempestade, que não deve demorar. Não há vento, o calor seco sufoca.
Fico no ponto de ônibus quase vinte minutos, que parecem intermináveis, pois quando se espera alguma coisa o tempo parece passar mais devagar. Em pé, os pés incham, a cabeça lateja, o sangue parece aumentar de volume, dilatando as veias. Buzinas, sirenes de carros de polícia, o barulho da serra elétrica da construção da esquina, a fumaça do cigarro do homem ao lado, tudo contribui para aumentar o desconforto.
Finalmente chega o ônibus, pelo menos vou sentar. O trânsito está quase parado, os carros não andam, não entra ar pelas janelas escancaradas, e quando entra é uma golfada quente e fumarenta, irrespirável. Tento me distrair olhando as vitrines das lojas, as pessoas apressadas nas calçadas, os carros avançando o sinal vermelho, os vendedores ambulantes oferecendo seus produtos, quinquilharias. O ônibus é velho e barulhento, o motorista acelera muito, desnecessariamente, e freia com força, parece irritado, talvez pelo calor, ou pelo trânsito pesado, ou pelo minguado salário, ou tudo isso.
Vejo uma senhora bem idosa perguntar as horas a outra passageira, que informa: - “Uma e vinte”. A outra retruca, num sorriso banguela: “Nossa! Ainda? É bom ficar sem relógio, porque a gente perde a hora pra mais cedo!”. Achei muito engraçada a construção da frase (lembrei de uma crônica de Clarice Lispector em que ela conversava com o motorista de táxi e ele disse que em sua casa havia uma cachoeira de água doce. E ela pensou: como se existisse de água salgada!). Outra frase que acho engraçada, paradoxal, é “correr atrás do prejuízo”, como se prejuízo fosse um bem desejado pelas pessoas.
Desci do ônibus e andei uns cinco quarteirões, sob o sol escaldante. Cheguei ao prédio, subi de elevador até a sala, entrei e sentei-me numa confortável poltrona. O ambiente, isolado acusticamente, não deixa entrar os ruídos ensurdecedores da avenida. Ao contrário, um fundo musical orquestrado, suave, massageia suavemente os ouvidos. O ar condicionado mantém uma temperatura agradável. Há café quente e água gelada. Prefiro a água, que desce refrescando, e todo o meu ser agradece.
O ambiente limpo, a decoração, a temperatura, tudo induz ao relaxamento. Folheio uma dessas revistas de fotos e o pensamento vai longe. Sensação de completo bem estar – nem o céu, ou o paraíso, ou o nirvana, como queiram, poderia ser mais beatífico nesse momento.
Mas tudo passa: estou no consultório do dentista e acabo de ser convocada para mais uma sessão de tortura.