Quando éramos pequenos

Às pessoas da minha geração, a última pré-internet, pré-telemóveis...

Nos anos 80

Deitávamo-nos cedo. Só existia uma televisão, e depois de acabar a telenovela íamos dormir, com os pais tranquilos, pois não existiam computadores, nem telemóveis que nos fizessem estar acordados noite fora.Quando éramos pequenos o tempo era natural, seguia o rumo da natureza, dormíamos de noite e vivíamos de dia.Quando éramos pequenos brincávamos sobretudo na rua.Quando éramos pequenos às refeições falávamos uns com os outros, as refeições eram um lugar onde também se falava, onde se comunicava, onde a televisão estava desligada porque aquele era o nosso espaço, o espaço da Família.A rua era um lugar seguro e a casa servia apenas para estudarmos, vermos um pouco de televisão e para dormirmos.Por isso brincávamos sobretudo na rua, onde jogávamos futebol, em pisos de cimento ou alcatrão, onde feríamos os joelhos, mas continuávamos a jogar porque o brincar, o jogo com os amigos era o que mais nos interessava, quase mais nada existia.Andávamos à pedrada com terríveis inimigos que passavam à condição de amigos quando fosse a hora de lanchar.Fazíamos expedições para além do horizonte, não sabendo que em adultos o horizonte se alcançava em minutos e que por isso perdeu toda a magia de ser distante.Os amigos que conhecíamos eram os que tínhamos por perto, pelo que os distantes se visitavam quando se podia, e se falava com eles apenas no seu aniversário porque o preço das chamadas interurbanas era proibitivo.Quando estávamos uns com os outros falávamos uns com os outros, estávamos com eles de corpo e alma, e não com o corpo lá e a atenção num telemóvel onde falávamos com outros e distantes amigos.Quando éramos pequenos não ansiávamos por ir para casa, para jogar no computador, falar com amigos distantes numa qualquer rede social virtual, os amigos estavam lá fora, na rua…E em casa víamos a nossa série favorita que dava apenas uma vez por semana, tema de conversa principal até a semana seguinte, até ao próximo episódio, e não nos dispersando por séries que parecem nunca mais acabar, e não conseguindo falar delas por serem tantas, demasiadas…

Alguém se atreve a dizer que não éramos felizes, se calhar mais felizes do que as gerações actuais, porque além de sermos mais livres éramos felizes com coisas que tínhamos, que podíamos tocar, cheirar, sentir?

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 21/07/2015
Reeditado em 21/07/2015
Código do texto: T5318715
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