PATINHOS FEIOS, BELOS CISNES
Não foi na escola que aprendi a ser gay! Não foi lá que aprendi a gostar de mim como sou ou de entender o que se passava comigo, dentro de mim. Foi na escola que vivenciei de perto a opressão, o desrespeito e a exclusão; foi lá que saboreei os primeiros gostos amargos de palavras e expressões jogadas e escarradas sobre mim.
Não foi na escola que aprendi a ser forte! Não foi lá que aprendi a resistir e enfrentar as vozes dos meus opressores porque a voz da escola também era opressora e o que escuta, mutas vezes era o silêncio, o cala a boca, o se comporte direito porque homem não agia feito mulherzinha. Homem tinha de ter voz forte, enfrentar o perigo, responder na altura e, acima de tudo, engolir o choro.
Não foi na escola que aprendi a engolir o choro, por mais que as tias, as professoras, as supervisoras, as diretoras, por mais que fossem vozes femininas, as lágrimas caiam porque eu me sentia só e obrigado a passar por tudo aquilo, sem orientação, sem um apoio mais consistente, uma lição para a vida ou mesmo um ato mais significativo de aprendizagem para que eu pudesse compreender melhor o que se passava comigo.
Foi na escola que estudei desde cedo religião. Era obrigado porque estava dentro do planejamento o conteúdo que dizia de um deus que condenava o pecado, abominava as crianças maldosa, não perdoava as crianças desobedientes e só tinha amor por aqueles que fossem enlatados, enquadrados, emoldurados em um único modelo, um único retrato de gente criada e construída a partir de um conceito de certo já existente e repassado de geração em geração!
Desde cedo percebi que era diferente, não se enquadrava no modelo ditado como certo, como correto...
Não foi na escola que descobri o verdadeiro tom das cores, porque lá existia os quadrados e as cores certas para cada ser. As rosas só podiam ser vermelhas do caule verde e as bolas apenas redondas pintadas de branco e preto! Não foi na escola que aprendi a usar as cores que davam cores a minha existência porque sempre, dentro de mim, gostava de criara as minhas próprias cores.
Não aprendi a jogar bola porque o meu corpo foi fragilizado, tachado de "mulherzinha", da fala fina e por isso nenhum queria ter a mim no time, porque o jogo de bola era coisa de homem e eu nem era homem! A escola me ensinou a ficar no banco, a esperar na reserva, a não desenvolver outra habilidade, a ficar apenas na observação, enquanto dentro de mim uma infinidade de outras possibilidades afloram, mas morriam porque não podiam ser adubadas, aguadas...
A escola me pôs dentro de uma redoma; meus amigos, dentro de uma ilha! As meninas me queriam por perto porque eu servia para amarra-lhes os cabelos e fazer graça! Eu era jeitoso, prendado para as artes e aquilo me fazia útil, mas não era útil na hora de também querer admirar os meninos. Nessa hora eu era imoral, sem vergonha, pecaminoso e bom de uma boa surra.
A escola não leu a minha cartilha, nem eu consegui entender as lições da escola. A tia até que era boazinha, mas estava a serviço da normatividade e da família e de toda incompreensão da sociedade...
A escola não pode ser hoje do modelo que foi ontem.
Na escola de hoje eu posso ter outras leituras, outras aprendizagens, mais respeito e ter mais dignidade. Por que foi na vida que aprendi a ser quem sou, a entender meus sentimentos, a me fazer corpo e ter voz e conquistar o meu espaço.
Se a escola tivesse me orientado, discutido a diversidade, falado de sexualidade,talvez não tivesse sofrido tanto. Se ela não tivesse me calado, tivesse pedido mais respeito, menos agressividade, talvez outros também tivesse aprendido a lição do amor, do respeito e da solidariedade...
Se a escola tivesse gasto mais tempo com a discussão sobre o ser humano, nossas diferenças e seres reais; se tivesse menos tempo para seres irreais, fantasiosos e contos de fada, talvez a escola tivesse ensinado a leitura da vida, que é diferente da leitura do conteúdo engradado.
A escola precisa ser esse espaço democrático de transformar patinhos feios em belos e lindos cisnes.