Existência (2)

A noite inteira autopsiando o cadáver de um mosquito, e ao ondular a fumaça que saía do cigarro, que teimava em mostrar a sua vermelhidão afogueada na ponta de cada sugada, iam os meus pensamentos estúpidos.

O cadáver bem ali estirado ao lado do meu travesseiro, os meus dedos prontos para esmagá-lo. A minha tépida emoção relativamente contida não me fez reagir a tal modo, mas a minha consciência dizia: _ Estraçalha esse infeliz até o sangue pisado fazer a gotícula nos seus dedos. Esse insano zuniu a noite inteira nos seus ouvidos! ...

Dei uma terceira tragada no cigarro que agora ria retumbante da minha boca babejada; não sei se desejosa de um beijo ou desejosa de fazer auréolas no ar... o cheiro estava impregnado no quarto/cheirava à cadáver e à fumaça/Tudo já coçava na minha pele pontilhada de furinhos daquele inseto. Levantei e fui pegar o álcool/Ardeu pacas/ E a guimba caiu na porra da cama e fez um buraco no lençol. Que merda!

E o bicho ali estirado, caído, sem chance de um ressuscitamento, tive pena, tive dó, tive remorso, resolvi então fazer um enterro decente, mas antes, cacei uma caixa de fósforos e a acolchoei com uma bolinha de algodão. Deitei o bichinho, olhei para quela figura magérrima e triste... nesse momento olhei o meu lençol queimado pelo meu vício e senti raiva de mim. [mais um reflexo obscuro do meu desejo - vícios].

Docemente desceu uma lágrima lavando o meu rosto enquanto eu olhava ao redor dos quatro cantos daquele quarto. Coloquei a parte da frente do meu cabelo atrás da orelha enquanto os meus pensamentos pululavam... (fingida é o que eu sou... falo tudo da boca pra fora... mas eu sinto dor, então devo ser verdadeira).

Um esgotamento físico/uma noite amarga/um cigarro de marca vagabunda/um dedo rodopiando a ponta do mamilo/uma frincha no taco vomitando as traças/uma música do Genesis rolando no rádio da sala/um mosquito desmaiado ao meu lado...

Olhei mais uma vez atenta a caixa de fósforo e o bichinho não estava mais lá. Deve ter ressuscitado diante de tanto desatino. Talvez volte nessa madrugada. Assim espero. Bem verdadeira.

Genesis - That's All

(https://youtu.be/khg2sloLzTI)

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 18/07/2015
Reeditado em 18/07/2015
Código do texto: T5315010
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