LIBERDADE, LIBERDADE

O homem estava muito gripado, tossindo, com falta de ar, o inferno era um inferno para ele. Além disso estava perplexo e angustiado com o clima de intolerância no seu país. Achava que estavam querendo golpear as liberdades democráticas. Que estava em marcha batida um plano golpista. Fora testemunha de um clima desses em 64, e dera no que dera, vinte anos de ditadura militar. A diferença agora é que os golpistas estavam aliados a ouutra força fascista muito perigosa e letal: a mídia fascista.

O hiomem sentia outra grande decepção: a covardia das forças democráticas que deveriam fazer o enfrentamento a essa tramaa golpista. Da esquerda não esperava nada, achava-a covarde, como fora em 64. Pensou: de coragem só havia Brizola.

Não entendia como se podia viver sem liberdade. A liberdade para ele era tão importante quanto o ar que respirava com dificuldade. Para reduzir sua tristeza pegou um velho caderno escolar onde copiara várias frases, versos e pensamentos sobre a liberdade. Botou os óculos e leu algumas. A primeira era um verso de Cecília Meireles: "Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não ninguém que explique e ninguém que não entenda". Cláudio Manoel da Costa: "Liberdade ou nada!". Manon Roland: "Oh, Liberdade, quantos crimes se cometem eu teu nome". Bernard Shaw: "Liberdade significa responsabilidade. É por isso que muita gente tem medo dela". Riu quando leu a frase de Wendel Philips que viravra lema da reacionária UDN: "O preço da liberdade é a eterna vigilância". Daniel Webster: "Deus só outorga a Liberdade aos que a amam e estão sempre prontos a guardá-la e defendê-la". Leu com prazer o verso de Eluard: "Graças a uma só palavra/ Reconheço a minha vida/ Nasci para conhecer-te/ E chamar-te/ Liberdade". Riu outra vez mas se conteve porque se estourasse de rir poderia tossir e a asma bater, era uma frase de um golpista, Carlos Lacerda: "A liberdade não é um bem que se adquire ou se aluga e portanto não se pode alienar ou desprezar. É um atributo do homem, uma qualidade inseparávell da sua natureza". E não poderia faltar uma de Rui Barbosa: "Mas acima da pátria há ainda alguma coisa: a Liberdade, porque a Liberdade é a condição da pátria, é a consciência, é o homem, é o princípio divino do nosso existir, é o único bem, cujo sacrifício a pátria não nos pode reclamar, senão deliberada ao suicídio, com o que o amor da pátria não nos poderia condescender". E, por fim, leu a que gostava mais, uma frase de Machado de Assis: "A Liberdade não é surda-muda nem paralítica. Ela vive, ela fala, ela bate com as mãos, ela ri, ela assobia, ela clama, ela vive da vida".

Estava chegando o sono, mas antes tomou um Apracur (hábito antigo) com um chazinho de cidreira. Rezou um pouco pela liberdade e pela democracia, a plantinha tenra como a chamara Mangabeira, e recordou um verso do Hino da Independência: "Liberdade, Liberdade/ Abre suas asas sobre nós,/ Das lutas, na Tempestade,/ Dá que ouçamos tua voz". Dormiu e sonhou com a Senhora Liberdade. Era um homem de fé. Mas estava meio tenso.