Mesmo não querendo tudo se torna finito
Sempre há um dia último em que decidimos partir de vez. Abandonamos, não queremos mais, não por que as emoções se findaram. Mas, eu não enxerguei mais os pretextos para continuar, mesmo que, tudo que foi, ainda me corroa como a maresia nos carros abandonados à beira mar, ainda assim, vou embora. Olho para trás tantas vezes, várias demoradas vezes que o meu pescoço fica perdido em doloridos torcicolos. Ainda sonho muito contigo, pois nem concebo as minhas noites sem a tua imagem me rodeando como um fantasma do meu amor passado. Os dias seguem, as semanas se vão, os meses se desabam no calendário, estações passam, as utopias e as roupas se tornam leves ou pesadas.
Entretanto, no meu coração, na minha cabeça, tu permaneces intacto como um diamante, porém, opaco, sem o brilho da tua presença vívida de melodias: tua voz e tuas risadas. Aguardo-te, num recanto secreto qualquer, como aquelas roupas lindas, mas que temos a certeza que nunca mais estará em nós, seja pela inadequação da idade ou pelo corpo que se modificou. Mas, aguardo-te, infinitamente, mesmo sem expectativa de nada.
Então, como uma formiga obediente que guarda alimentos para quando o inverno chegar, eu guardo o lume dos teus olhos enviesados. Tatuo o contorno da tua boca rasgada e cultivo cada parte do teu corpo nos meus pensamentos. Para que no vazio de mim, eu consiga sobreviver ao vazio de ti e não me perca nas lembranças à procura da pessoa que, um dia, tu me fizeste ser. Transformo-me, transmuto-me aos poucos, em remendos de mim, tentando encontrar os cacos das tuas palavras, do teu cheiro, dos teus gestos e daquele gosto imemorial da tua boca na minha.
15/07