DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS.PARALELOS.
Umberto Eco dá entrevista de seu apartamento, em frente ao Monumentali Cimitieri de Milano, área nobre de Milão, Itália, para Ilze Scamparini, correspondente da Globo, após lançamento de “Número Zero”, sua última obra, e me impressionou ao falar que “quando acabou sua fé estava envolvido, ainda, com Tomás de Aquino”, mas não foi por causa do tomista que abandonou a fé.
Diga-se que seus estudos acadêmicos se voltaram fortemente para a escolástica, filósofo que é, e para o “gorducho” Tomás como trata carinhosamente o Santo Filósofo, Tomás de Aquino, tendo estado como disse em Fossanova, local onde faleceu Tomás, visitando a “câmara” (quarto) onde deu seus últimos suspiros.
Diz de rica impressão da agonia final, Plinio Corrêa de Oliveira, nestas letras em página de relevo: “Abadia de Fossanova (Itália), onde São Tomás passou seus últimos dias.
O Santo Viático foi-lhe ministrado solenemente a 4 ou 5 de março. O próprio abade levou a comunhão ao quarto do enfermo. Ao redor, estavam, de joelhos, os religiosos do mosteiro e um bom número de frades menores (franciscanos), os quais, na maioria, pertenciam ao séquito do bispo Francisco de Terrafina, também presente nessa circunstância. E, finalmente, muitos frades pregadores (dominicanos), que, à notícia da doença do mestre Tomás, acorreram dos conventos vizinhos de Agnani e Gaeta.
Reunindo todas as forças, Frei Tomás, levantou-se do leito e, prostrado por terra, ficou longo tempo na adoração de Nosso Senhor. Derramando muitas lágrimas, pronunciou belas palavras, entre as quais A SUA PROFISSÃO DE FÉ, aquelas célebres expressões atestadas por Bartolomeu de Capua, pelos monges de Fossanova, registradas na Bula de Canonização: ‘Recebo a Vós, preço da redenção de minha alma, por cujo amor vigiei, estudei e trabalhei. Desse Santíssimo Corpo de Jesus Cristo e dos outros sacramentos muito ensinei e escrevi, na fé em Jesus Cristo e na Santa Igreja Romana, a cujo juízo tudo ofereço e submeto”. Caixa alta nossa.
E bom de asseverar e destacar que deixou sua “Summa” incompleta dizendo que “tudo que escrevi é palha”. O que seria o que escrevemos sobre tanto e o mesmo, sem comparações, para quem conhece rudimentos da enciclopédica, sábia e inigualável obra?
Acresce ser Eco um apaixonado pela idade média. Quem não é? Um repositório de lastro para os dias atuais, a convergência histórica da perseguição humana ao conhecimento, que sempre perde, aparente e não aparente.
Nessa última obra o semiólogo, filósofo e romancista Eco, aborda a informação jornalística, a mesma, sob outra roupagem, que qualificou de imbecil egressa das redes quando parte de quem desqualifica a informação ou o conhecimento, por exemplo, escrevendo sobre o que não conhece, como na internet que criticou duramente faz pouco tempo. Não sem razão.
Tirada sua fundamentalidade em pesquisa, que necessita aparelhamento para pesquisar (só pesquisa o assunto o conhecedor da rubrica), a internet em semiótica apurada é um vazio, persistem hiatos que pouco comunicam, falta apreensão. O denominador comum é de pouco proveito, funcionando mais como interlocução lúdica o veículo, telúrico como atualidade em movimentos globalizados, e como arregimentação de grupos sóciopoliticos, e bem pouco como riqueza cultural.
Umberto Eco no romance “Número zero” vive o mau jornalismo na redação de um jornal ficcional. A didática da desinformação está exposta.
O livro do construtor de importantes tratados de semiótica se volta para a informação deturpada vivida em 1992, marco péssimo para a Itália contemporânea, quando escândalos de corrupção fizeram surgir a operação "Mani Pulite" (Mãos limpas), que erradicou um bom número da classe política de então, uma “lavajato” brasileira que, espera-se - nunca é tarde para esperar - surta efeitos semelhantes, coisa remota e, lamentavelmente assim percebo, estou “cascudo”. Mas sempre esperançar é esperança...
O jornal foi criado então para desinformar, denegrir, chantagear, manipular, elaborar dossiês e documentação secreta. É o núcleo da obra.
Roberto Saviano, jornalista italiano emérito antimáfia, aponta terem as redes sociais multiplicado essa mecânica de denegrir e desinformar como um todo e que Silvio Berlusconi marcou esse tempo.
Da entrevista, perguntado sobre suas obras e manifestações, surge sua confissão sobre a fé deixada, relegada. Me surpreendeu.
A fé de Tomás, de quem se confessou um apaixonado, é a do Santo cuja vida difícil e tormentosa de quem a conhece mostra seus valores espirituais, perseguido pela mãe para busca de riquezas materiais quando somente queria entregar-se à transcendência, e assim fez, humildemente submetido à mãe até conquistar a liberdade para devotar-se aos frades mendicantes e respectiva ordem. Chegou a ser sequestrado pelo irmão e preso em cela doméstica, tudo sob ordem da mãe para evitar o abraço definitivo da entrega à espiritualidade em monastério. Resignou-se e restou segregado por algum tempo.
A fé é força e envolvimento, e dela só extrai fortaleza a entrega, não as passagens de reconhecimentos de vidas célebres por dons concedidos como os íntimos e delegados a Umberto Eco, escritor e acadêmico festejado.
A barreira divisionária da fé é frágil diante do estudo maior. Quanto maior estudo e leitura, maior esclarecimento e constatação da história triste da humanidade que faz desabar convicções. São muitos os tropeços da fé, é preciso saber nadar nesse mar bravio de incertezas, difícil vencê-lo. A cada passo de visão alargada, posta a fé na ogiva, dimensionado o questionamento com a lupa do conhecimento lógico, somado às razões da pesquisa febril, mais aumenta a distância da necessidade das explicações metafísicas que por óbvio não se explicam.
Fica-se ancorado com muitas cordas no porto da materialidade. Afogar-se é facílimo. Mais conforta ceder ao visível do que sair em busca do invisível. Sem dúvida é mais fácil abandonar a fé. Quase a pedirem formalmente, muitos esclarecidos instam para encarnarem um novo São Tomé, agoniados pelo risco de sucumbirem que é grande.
Qualquer topada no áspero caminho faz caírem os claudicantes e ao mesmo tempo avisados.
Faça-se um paralelo. Prevalece na “Majoranza”, como diz Eco, na maioria, a fuga de receber conhecimento. Mas ditam desconhecimento... Assim mostra a semiótica em suas múltiplas manifestações. Não há recepção no geral. Estaria assim calcada a razão das crenças múltiplas, inclusive da dogmática secular. São meras fragilidades.
A fé está distante do formalizado historicamente, do conhecimento, seria um tanto burra, mas são também assim em posição similar e contrafeita, verdades formais, que são textuais e vigentes,e mesmo assim projetadas em não acatar universalidades conhecidas, não sustentadas na fé, mas nas razões da Lei Moral indispensável ao convívio de todos. Coisas díspares, mas assemelhadas e verdadeiras, impossíveis de serem relegadas à indiferença. Só a indiferença de ignorar na disfunção convalida a posição insciente. Umas marcadas convencionalmente, irrecusáveis pela apreensão da singeleza, outras no imaginário pela fé acolhida.
Contra fatos não há argumentos, reporta a ciência. Contra o irreal fortifica-se a virtude do despojamento que eleva e impressiona, mas se torna fundamental; mire-se o Cristo e sua Lei Moral refletida em todas as convenções humanitárias. Seria em vão? Nada de significante nessa realidade?
Acentue-se, que mesmo desconhecidas universalidades firmadas, presentes na notoriedade e no cotidiano, impositivas, são dramaticamente recusadas mesmo por aqueles que teriam alguma educação. É a heterogeneidade humana. A fraqueza de receber conhecimento posto, por clara disfunção, sempre está presente.
E nominou recentemente de imbecis, Eco, os que povoam a internet deitando falação sobre o que não conhecem, sob o manto da disfunção, e falam sobre tudo, e muito sobre fé que incluo nesse caldeirão cultural. Somo e assim creio ser essa “panela” fervente de crendices desarrazoadas um vasto laboratório de semiótica.
Ele, um notável em semiótica, quando lançou nova compreensão da disciplina, fundado em princípios Kantianos e em Sanders Peirce, compunha a visão crítica que manifesta e reiterou convictamente na entrevista. Temos sete bilhões de pessoas no mundo, e não é difícil ter certeza da vaidade de três quartos ao menos, que pensa sem muita edificação, e nada pode modificar, e atenta contra a racionalidade, como dizia Voltaire, esses três quartos não pensa, quando pensa é mais neles mesmo, não tem como pensar, não consegue ou pode... Não é enfoque meu severo nem pessimista, embora salte “prima facie”, flagrantemente aos olhos. A esses Eco chamou de imbecis sem condão de agressividade, mas de avaliação científica na atual comunicação de massa, e justificou que um pai de família ou um profissional qualquer razoável pode ser excelente pessoa, mas se torna um imbecil quando fala sobre o que desconhece. Nada mais correto.
Estão aí os fatos, nacionais e internacionais para divisar e avaliar, não precisa ser um cidadão do mundo, ou conhecer suas ocorrências para autenticar a realidade.
Já me perguntei se a insciência não seria mais feliz, ficar recolhido nela e por ela fechado naquilo que não se sabe, nem se pode saber. Não seria melhor que andejar rodopiando em chistes, afirmando saber o “não sei”, ao invés de ficar ao talante do sabor da máxima socrática, “sei que nada sei” sobre esse assunto? Ao menos a verdade... Quem sabe o quê? Uma palha como afirmou o gênio de Tomás. E há os que nada sabem do que se pode saber e reiteram saber o que não sabem...
No todo parece que seria melhor, seguir a natureza e o instinto da preservação, isso bastaria. Mas a curiosidade de muitos não permite, é instigante viver e procurar. Mas que se reduza ao possível a busca.
Suficiente seria uma formidável arte sacra visível na Galleria Uffizzi em Florença, uma porta de museu que se abre para a transcendência, ou Capela dos Médici saída de Michelangelo, para sentir um mais de transcender. Ninguém atinge estas alturas sem transcendência aqui e agora, o renascentismo e sua arte é porta de um céu dos sentidos.
Em contrapartida há uma religião de problemáticos, e são muitos. O néscio anda solto e de mãos dadas ao incauto. É feliz o ignorante e pretensioso? Parece que sim, pois fica sentado na cadeira pegajosa do professorado que não deixa que se levante. Só o pretensioso enfrenta o desconhecido. Mas ainda que pouco minimizada, a falta de distinguir, como por exemplo perceber o sistema em que se vive e aceitá-lo, prevalece na resistência ao avanço em receber conhecimento, mesmo no “nada sei” que não sei e afirmo saber.
Este o grande impasse que faz regredir o homem, e muito, alguns passos em frente desdenhados, e já se formam intermináveis procissões de retrocessos, um séquito de “nada sei” de tudo, que se estabelece com vitaliciedade no afirmar saber. É a problemática arraigada em números assustadores como mostra a semiótica. Razões pessoais inamovíveis.
Muita rejeição se dissemina, por falta de condições de compreensão, a chamada disfunção. Compromete-se a aceitação das conquistas fundamentais em prejuízo do progresso como pessoa. São os paralelos em semiótica abrangente.
Temos abaixo da obviedade recusada dois pontos referenciais no propósito abordado, a fé de Tomás, baluarte dos tempos em exemplos e virtudes e a fé não mais existente de Umberto Eco, antes um crente, condutor de comunicação de massa, cultor de novos caminhos da semiótica. Qual o melhor caminho?
O velho embate....
Seríamos todos imbecis? Falamos todos sobre o que não conhecemos? Há, creio assim, os que discutem sobre o que negam, avizinhando-se do absurdo. Nega-se a negação por inexistência do objeto negado. Olhem-se credos negados e seus ícones.
Falamos, muitos de nós, sobre o que não conhecemos. Falar sobre o transcendentalismo é falar sobre hipótese, que em filosofia lógica é aquilo que não é, que seria, se fosse. Transcendentalismo diz o vocábulo, está além do conhecimento, transcende.
A mente alcança estruturalmente objetos, suas complexidades. Transcendental está além de nossa capacidade de conhecimento para que pudesse ser legitimamente conhecido. A contra argumentação de Hegel a Kant foi que para conhecer a fronteira há que estar desperto, ultrapassá-la é artigo transcendental.
Em fenomenologia "transcendente" é o que transcende à consciência, ao que é objetivo.
É a velha estrada a seguir, mera escolha. Que cada um faça sua opção, como fizeram Tomás e Umberto Eco.