ALGUÉM ME AJUDE ESTOU EM DESESPERO
      Aclibes Burgarelli

 
 
Pensamento. Às vezes sente-se o desejo de libertação e da própria morte, porém o momento não é apropriado, porquanto não é chegada a hora. É nesse estado da alma que se deve insistir na oração, porque tudo passará.


 
Evanildo procurou-me certa feita, corajosamente, porquanto estava tomado de desalento e desânimo visível, na tentativa, talvez, de abrir seu coração e colocar para fora algo que o pressionava. Iniciou o diálogo dessa maneira: - hoje não estou bem!

Fixei-lhe o olhar e nada disse; assim, foi ele premido a prosseguir no desabafo, sob pena de não fazer sentido o que iniciara. Evanildo, contudo, tergiversou e com titubeios evitava centralizar aquilo que, para ele, era a causa de tudo.

À medida que falava deixava perceber que se dedicara, durante sua vida, à família a quem amava; porém, o amor que confiava era manifestado por ele na razão direta da estrutura psicológica do grupo familiar. Não a estrutura psicológica própria de cada membro, mas a que Evanildo formara discricionariamente ao longo de seu relacionamento dentro do lar. Ele se envolveu na ideia de que conhecia o caminho e as pedras e sua missão era tornar suave o caminho conhecido. A respeito dessa imagem não aceitava contestação.

Não se pode negar que, dentre os familiares de Evanildo, havia suficiente afinidade e, por esse motivo fácil era considerá-lo bom exemplo. A afinidade, entretanto, não remove a individualidade de familiares, por essa razão não ficou afastada a ideia de aprisionamento familiar a regras exageradas que, de qualquer maneira, cerceava a liberdade dos mesmos familiares.

No íntimo cada um deles desejava ser livre, mas perdurava na atmosfera daquele lar certo temor pelo preço desconhecido e que, então na condição de libertos estariam obrigados ao pagamento. O desejo de liberdade mais o temor pelo futuro provocou canalização de comportamentos rebeldes que desencadearam na seara da alma de Evanildo sentimento de frustração. Por qualquer fato de somenos, eclodiam discussões e trocas de ofensas ora por um ora por outro familiar.

Nos encontros consigo próprio aquele líder familiar travava intensa batalha, porque desejava doar situações de tranquilidade e segurança aos seus e tudo fazia para esse mister, mas os resultados eram diametralmente opostos. Por essa razão Evanildo alimentava a preocupação de sempre ter estado ao lado de todos, amando-os, apesar de rigoroso, sem expectativa de retorno; alimentava a preocupação de ter formado patrimônio para o futuro da prole e não sentir expectativa de equilíbrio quando da sucessão hereditária; preocupava-lhe toda sua vida de trabalho e, então, às portas da velhice, passar por sentimento de que tudo foi em vão.

Ao final do desabafo de Evanildo, dele ouvi estas palavras de arremate:

- Acho que o errado fui eu, porque deveria ter deixado cada um cuidar de si próprio, como eu sempre me cuidei!
– Se assim o fizesse, hoje todos teriam maior responsabilidade!
– Agora, entretanto, é tarde e não dá para voltar atrás!.
– Quem sabe não seria melhor morrer?

Confesso que não me ocorreu a palavra de alento; optei em repetir palavras comuns, de efeito, como: - Calma, tudo passará, pois não há mal que sempre dure! – Você cumpriu sua parcela e é o que interessa e basta!

Refleti melhor e ousei avançar na tentativa de colocar nos pratos em desequilíbrio algo que pudesse nivelar a situação; assim avancei.
- “ Meu amigo. Tudo o que consideramos sofrimento ou frustração não vai além de desajustes voluntários relativamente à Ordem Divina, porquanto Deus é justo, é o ponto de equilíbrio da perfeição. O desajuste se dá não por vontade de Deus, mas pela nossa vontade no exercício da liberdade do espírito, do livre arbítrio e da lei natural de causa e efeito. Liberdade que exercitamos plenamente sem dar conta do que estamos fazendo. Ao depois, quando o resultado não nos satisfaz buscamos a causa fora do nosso ato anterior. Por isso sofremos, porque a causa está em nós e não fora de nós. Esse é o seu problema meu amigo”

Em que pese a tentativa e o despertar de atenção por parte de Evanildo, certo é que as palavras funcionaram como crítica, ou na pior das hipóteses como mero gesto de solidariedade, sem ressonância. O momento, pois, impunha mais, muito mais. Muito mais que ultrapassava minha boa vontade de ajudar.

Nesse clima de envolvimento interferiu o Irmão Frei Plínio. Trouxe em uma das mãos o livro intitulado “Estude e Viva”, do abnegado Chico Xavier e Waldo Wieira com a participação de Emmanuel e André Luiz. Sem qualquer titubeio, preparação ou consulta no índice, o livro foi aberto aleatoriamente no Capítulo “Ante a Família Maior”. Obviamente foi feita a leitura de um trecho que toma a humanidade por grande família e irmandade plena. Ficou anotado que não é possível prevenir e solucionar a gama de todos os percalços da vida de cada pessoa humana, na sua trilha adrede escolhida. Cada indivíduo é a própria individualidade que espera receber esta ou aquela migalha de amor. Confira-se.

“...Esse pede uma frase de benção, aquele um sorriso de apoio, outro mendiga um gesto de brandura ou um pedaço de pão... abençoa-os e faze em favor deles, quanto possas, sem te esqueceres de que o Eterno amigo nos segue os passos, em divino silêncio, após haver dito a cada um de nós, na acústica dos séculos: Em verdade, tudo aquilo que fizerdes ao menor dos pequeninos é a Mim que o fizestes...”

Agradeci a Deus a oportunidade de esclarecimento e, agora sim, convicto pude dizer a Evanildo o seguinte:

- Meu irmão, jamais se arrependa do que você fez pelos seus; lamente sim não poder ter feito o mesmo pela humanidade. Lamente sim que suas boas ações, no fundo, tinham doses de egoísmo, porque você pretendia a segurança tão somente dos seus. É ação de caridade, não há dúvida, mas seu sofrimento atual decorre exatamente do fato de você nunca ter pensado em ensinar os seus a agradecerem por tudo e a buscarem, pelo menos um pouquinho, a ajuda para estranhos mais necessitados.

Refleti bastante a respeito do encontro e prometi a Evanildo tentar, durante meus momentos íntimos e de encontro com as forças que me auxiliam, analisar o fato. Incumbi-me da tarefa e aqui o resultado.

Crê-se que não existe em sã consciência quem, em qualquer momento de sua vida humana, com qualquer idade, não tenha passado por momentos de tristeza, de melancolia e desalento, por razões ignoradas.

Não há dúvida que esses momentos isolam as pessoas e despertam reflexões; no entanto, em regra, reflexões negativas. Se alguém se aproxima de outrem, que se encontra abatido no espírito, perceberá, de pronto, que a pessoa não está bem. Se for pessoa íntima lança-se mão de todos os esforços para neutralizar forças negativas e projetar ação dos bons fluídos; contudo é muito difícil conseguir esse intento até mesmo por causa das circunstâncias próprias do momento por que passa o sofredor. Não se afasta a possibilidade de se agravar mais o estado da pessoa passiva que, em regra, nesses momentos quer permanecer só, com seus botões.

O quadro descrito em torno de Evanildo, que é comum e não acontece excepcionalmente, ao contrário, é mais frequente do que se imagina, isso que o digam os psicoterapeutas, a regra do egoísmo não foi afastada.
Esses momentos inspiram cuidado por parte de quem os experimenta e desconhece as causa. É possível que etiologicamente os sinais seja suficientes para diagnóstico de alguma enfermidade, mas, quase sempre, o vínculo que se forma coloca, de um lado, a causa (exercício do livre arbítrio) e proporcional efeito (responsabilidade quanto ao exercício do livre arbítrio).

Nos momentos de desespero, de tristeza, de sentimento a respeito da vida entendendo-a sem valor, é nesses momentos que se avalia a carga física e não a carga espiritual. Se se sente maior peso quanto às cargas físicas é porque não se cuidou de aprimoramento da alma – que é eterna - e sim, de modo errado, cuidou-se do que não dura nada – a vida terrena eivada de sentimentos de cuidados egoístas.

Nos momentos em que se deseja a solidão, por causa do peso da carga humana, em verdade pensa-se na morte, mas com temor por ser algo desconhecido, em regra.

Comparação fantasiosa é aqui esboçada para se tentar explicar o sentimento de libertação. Pense-se no condenado ao cárcere por longo período, por crimes cometidos por dolo, ou seja, pela vontade consciente e dirigida no sentido do resultado errado. O cárcere é terrível, porque amarra a liberdade do corpo, embora não impeça a liberdade dos pensamentos do prisioneiro. É terrível, porém não há alternativa e o condenado tem que aceitá-lo, para cumprir a prova a respeito do resultado a que deu casa, por vontade própria. A única maneira de se acomodar a situação é a busca de algo bom naquele estado de coisas, porque não pode existir somente desajustes; em algum momento há que se ajustarem os pontos violentados. Por essa razão, no momento em que prevalecem as forças dos reajustes e a certeza de que não haverá soltura para o prisioneiro, antes que se cumpra o período determinado, não adiante tentar a fuga. A fuga é desajuste do que está desajustado e o prisioneiro será perseguido para retornar ao cárcere. Por certo, mais cedo ou mais tarde, retornará até que se cumpra a prova da pena ou, por merecimento, ingresse ele na liberdade condicional, vigiada. É esse merecimento a porta que se abre para resgate dos erros cujas causas são de nossa responsabilidade.

Entreguei o escrito a Evanildo e disse a ele que, de minha parte, não encontrei palavras de alento, porém enxerguei, no relato, algo que me trouxe esperança e certa paz de espírito. Quem sabe também poderá servir para o amigo, porquanto era ele quem estava em estado de tristeza.
OU EM DESESPERO
aclibes
Enviado por aclibes em 16/07/2015
Código do texto: T5312974
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