ENXERGAR A ALMA ATRAVÉS DO OLHAR HUMANO.
Aclibes Burgarelli

 
Pensamento.  O olhar e a expressão facial revelam quem a pessoa humana é e em que zona do progresso moral se encontra situada.
 
 
O instrumento de aferição do nível moral dos seres humanos, a partir dos 12 anos de existência, é a postura assumida diante de estranhos, no momento em que, por qualquer motivo, estes se acercam de outrem para uma informação, um esclarecimento ou algo que o valha.
 
Na relação formada entre essas pessoas – a que busca e a que é buscada – é necessária a manutenção de um ponto de equilíbrio, a fim de que não ocorram alterações fisionômicas nesta que é solicitada e, com as alterações, se instalem desajustes. O elemento do desajuste é abstrato, porém se torna concreto na fisionomia e na forma de agir, por parte de quem é procurado por outrem.
 
Tentar-se-á descrever algumas cenas reais para aferição do grau moral de interlocutores solicitados para responder algo a alguém e o total descaso que se faz das expressões “pois não”, “olá”, “posso ser útil”, “graças a Deus” etc.
 
No que diz respeito às reações e aos movimentos dos músculos da face e a postura do olhar, situações involuntárias, espontâneas e muito difícil de serem simuladas por causa do momento em que acontecem, não há erro em se afirmar que são o telégrafo do íntimo espiritual da pessoa.
 
Pode parecer fantasioso, no entanto fantasia não há em   afirmar que o olhar sorri, acusa, perdoa, absolve, condena, apieda-se, convida, rejeita e assim por diante.  Basta olhar o olhar para ver o que se revela.
 
Vamos à apreciação de cenas reais.
 
Dílson foi admitido funcionário do setor de segurança em uma universidade renomada e com a implantação do sistema de catracas e acesso mediante utilização de cartão magnético, foi ele designado para permanecer em um dos portões de entrada.
 
Certa manhã, uma aluna apressada e esbaforida, talvez por causa do horário, tentava liberar a trava da roleta sem conseguir tal intento, mesmo com a colocação do cartão no espaço reservado para a liberação.  Dílson, posicionado bem próximo ao local em que se encontrava a aluna, percebeu o que estava a acontecer, porém fingia que não estava atento ao fato. Seu semblante aparentava atenção em outra direção e sua postura séria o identificava como sendo uma sentinela em posição de guarda. 
 
Uma vez que a aluna percebeu que a catraca não seria liberada, às pressas foi em direção a Dílson, com olhar de socorro, e, de modo humilde olhou-o, como a suplicar ajuda. Mostrou a ele o cartão e disse que não estava conseguindo destravar a catraca.
 
A postura de Dílson beirava uma ameaça que não cedeu mesmo diante do olhar de súplica da aluna. É necessário dizer que a relação começou no momento em que a aluna tentou, pela segunda vez, passar na roleta, o mesmo momento em que Dílson fingia estar preocupado com outro fato, porém com olhar a soslaio tudo via e via com desdém e indiferença.
 
Após cansativa postura de frustração e querendo ser o que não lhe foi possível ser, manteve uma das mãos nas costas, altura dos rins, e com a outra, dedo em riste, apontou o cartão e afirmou que, por negligência, a aluna teria afetado a parte magnetizada mediante guarda incorreta do dispositivo. A aluna, que não entendeu absolutamente nada do que fora acusada, ainda pediu desculpas e reiterou a necessidade de ingresso urgente. De maneira displicente Dílson, com o dedo em riste, apontou em direção à portaria próxima e disse que era lá que a aluna devia expor seu problema. A aluna não avaliou o comportamento de Dílson o qual a ela parecia ser inerente à função e à autoridade administrativa que a ele fora atribuída.  
 
Após o incidente, Dílson recompôs sua postura com sentimento de autoridade inflexível para o que lhe fora confiado; para ele, primeiro a autoridade, depois o sentimento.
 
Que mal poderia trazer a Dílson, ou à fantasiosa autoridade, um “bom dia”, “pois não”,  “não se preocupe, isso acontece, mas há solução para o caso”. Que mal esse comportamento sereno, sem prepotência e cordial poderia trazer ao trabalho de Dílson. É possível mesmo que ele seria alvo de elogios por parte dos alunos que passariam a estima-lo. Não, abriu mão do errado procedimento para enaltecer o egoísmo, a vaidade, o orgulho, a prepotência e a ignorância da palavra amor.
 
O incidente, que não afetou a aluna, porquanto mansa e humilde de coração, seguiu seu caminho sem preocupação ou lembrança do que acontecera; para ela não havia porque rememorar o fato, ainda porque conseguiu, no dia seguinte, cópia de um novo cartão e tudo fluiu a contento.
 
Os dias passaram e Dílson permaneceu no seu “posto de comando” com extravasamento de recalques e frustração contra a estudante e cuja tarefa Dílson sempre dela fugiu. Depois do incidente não percebido pela aluna, passou algum tempo e, certa manhã de inverno, por causa do intenso frio, o mesmo segurança estava febril em razão de forte laringite. Decidiu por buscar o medido da faculdade no consultório bem próximo da portaria. Foi feita a visita, porém o médico ainda não havia iniciado o atendimento e a própria enfermaria estava fechada.
 
Dílson trocou algumas palavras com um faxineiro que varria a entrada do consultório, mas palavras secas e ásperas, porque o faxineiro não queria muita conversa. Do que se aproveitou em favor de Dílson foi a sugestão para ele aguardar, em pé, no local e esperar a enfermeira para ser atendido rapidamente. Entre as partes nenhuma palavra de gratidão, quer por parte do faxineiro, quanto de Dílson; ele chegou mesmo a ficar irritado pela falta de respeito ao traje de segurança. Afinal de que valia o layout com o símbolo da faculdade e a palavra “segurança” bordada na aba do paletóɁ
 
Dílson se sentia injuriado com a arrogância e resposta seca por parte de um faxineiro, funcionário de categoria inferior à dele. Permaneceu no aguardo da enfermeira. Por surpresa uma aluna, a mesma do incidente do cartão desmagnetizado, passou no lugar em que o segurança estava e, com sorriso cordial, cumprimentou-o sem provocar sentimento de recepção por parte de Dílson. Ocorre que a aluna, com a humildade peculiar, indagou do segurança o que ele fazia ali e se ele não estava bem de saúde; arrematou:  - Posso ajuda-lo de alguma formaɁ
 
Dílson ficou surpreso e esboçou algumas palavras, tão somente para informar que estava no aguardo da enfermeira. Ao ouvir as palavras do segurança, a aluna recomendou-lhe paciência, dado que a enfermeira era sua mãe e, por esse motivo, a aluna era bolsista, contudo sua mãe já estava a caminho, vindo ló local em que fora bater o cartão de ponto.
 
A enfermeira de fato chegou ao local rapidamente e indagou o porquê de a filha ainda estar ali. A filha respondeu que o segurança era seu conhecido e que se tratava de boa pessoa, porém estava enfermo e necessitava de cuidados médicos. A enfermeira, prontamente fez Dílson entrar, sentar-se, ofereceu-lhe um copo de água ou um café e cuidou do atendimento dele. Não faltou oportunidade para, em conversa vai conversa vem, observar que sua filha era solidária e se orgulhava dessa qualidade.
 
Não há como se descrever a mudança de comportamento, de postura e de olhar do segurança, antes e depois dos dois incidentes. A realidade é que Dílson recebeu uma grande lição de vida e, se quisesse por em prática o que aprendera naquele momento, melhor para  a Ascenção moral. De outra maneira, se entendesse não colocar em prática a lição que, mesmo sem solicitação, a vida oferece, que permaneça estagnado no padrão moral em que se encontra; contudo, chegará o momento derradeiro, acusador, e então tudo ficará mais difícil para sua elevação espiritual.
 
Não se cogita da espera de castigo Divino, por ato não solidário tal qual o de Dilson, já que Deus é bondade eterna;  há tanto amor e bondade na ordem natural da vida que, cada ser humano, goza de liberdade plena para agir como bem entender. O que existe é a ordem natural, ou lei cósmica, ou mesmo Lei de Deus, segundo a qual toda causa produz um efeito. O livre arbítrio, conforme seu manejo, dá causa a bons ou a maus resultados e as consequências não podem ser atribuídas a Deus, mas ao manejo do livre arbítrio.  Com a vida Deus ensina e percebe quem quer perceber, porque há liberdade até na percepção.
 
aclibes
Enviado por aclibes em 16/07/2015
Código do texto: T5312963
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