Abertura da Flip 2015 revive Mario de Andrade na sua totalidade _ Parte 1
Mário de Andrade (1893-1945) sempre esteve na frente da história da sua época, evidente que as conseqüências por sua voracidade em se libertar das palavras calcadas e recalcadas em mentiras vieram juntas. Não conseguiu obter a tal sonhada liberdade na sua totalidade! A sua homossexualidade sempre foi tema recorrente em silêncio e "proibida"!
A mesa da primeira noite da Festa Literária de Paraty ficou com a ensaísta argentina Beatriz Sarlo, a crítica e professora da USP Eliane Robert de Moraes (organizadora da "Antologia da poesia erótica brasileira") e Eduardo Jardim (autor de "Eu sou trezentos", biografia de Mário de Andrade). A abordagem de cada um sobre a homossexualidade de Mário de Andrade foi clara e franca.
Beatriz Sarlo faz a citação do poema “Girassol da Madrugada” de Mário de Andrade foi abordado pelo viés do eclipse como um astro se interpondo ao outro corpo astral, e, também, pode aparecer algo como; um anel luminoso que vai se revelando aos poucos, o reprimido celeste que, se mostra, e, portanto, chama a atenção!
…”Eu sei que tu sabes o que eu nem sei se tu sabes,
Em ti se resume a perversa e imaculada correria dos fatos,(...)”
Eliane Robert começa a falar no tema do erotismo nos escritos do autor. "A obra de Mário comporta uma erótica tão inesperada quanto intensa. Macunaíma' é um livro que joga o tempo todo com o proibido. Um jogo entre o que se fala e o que não se fala, entre o que é falado e o que é calado", disse, lendo trechos da obra. "Essa questão 'Macunaíma' resolve literariamente de forma genial. Em 'Macunaíma', o calado é vencido pela artimanha da palavra, e isso marca a erótica de Mário de Andrade."
Mário de Andrade mostrou a sua paixão pelo folclore nos seus estudos feitos pelos estados do Brasil, um amante das lendas e dentre delas a do bumba meu boi. Eliane Roberto na sua fala conta:
"Mário gostava de dizer que, no Brasil, a gente tinha uma pornografia desorganizada. Isto é, dispersa na literatura popular, textos religiosos, quadrinhas, modinhas e bumba-meu-boi"
Recordando a história da moça grávida que sente desejos por comer a língua do boi amado pela sua força por seu dono e patrão do seu marido. Assim é feito, a língua é retirada e o boi sacrificado pelo seu marido.
O patrão ao saber pede a cabeça do marido da mulher! O casal, então, confessou que estava morrendo de arrependimento pelo crime cometido. O filho do casal, já grandinho, ouviu a história e pediu aos pais que o levassem até a fazenda. Chegaram então os três na propriedade. Mesmo com medo de receber algum tipo de castigo, o casal acompanhou o filho, que pegou o rabo do boi, espiou lá dentro e deu três sopros muito fortes. O boi, então viveu e saiu chifrando quem tivesse pela frente. O amo não se aguentava de tanta alegria. Abraçava todos e até perdoou Catirina e Francisco.
"A gente percebe ali um autor que tem uma atenção àquilo que é matéria erótica, ao sexo, à sensualidade - talvez a gente deva dizer uma erótica dispersa em toda a obra, mas muito intensa." _comenta Eliane Robert, que continua a sua fala:
"Particularidade da literatura erótica praticada pelo Mário de Andrade", Eliane citou uma passagem de "Macunaíma" na qual cria-se uma palavra para se referir ao que ela chamou de "orifício".
"Esse expediente remete a uma prática literária que é própria do erotismo literário ocidental, que é o seguinte: substitui-se a palavra proibida por uma infinidade, uma abundância de outras palavras que vão evocá-la."
Por não usar a “palavra –tabu”,ela, afirma que, a literatura de Mário foi "sugestiva, mas provocante; decente, mas muito maliciosa". E vai mais além Eliane na sua fala:
"A homossexualidade de Mário foi muito intocada, ficou muito escondida, tornou-se uma espécie de tabu. Chegou o momento, tarde com certeza, de a gente poder liberar em Mário aquilo que é de ordem pessoal, para a gente poder reconhecer a qualidade daquilo que é de ordem estética. E lembrar que o nosso grande modernista, que o escritor da nossa gente era homossexual, era gay. E que há resquício dessa homossexualidade em toda a sua obra. Podemos ler isso, muito embora não possamos falar de uma obra homossexual, uma obra gay. Nós não podemos e não devemos mais nos calar sobre a homossexualidade de Mário, mas tampouco podemos e devemos reduzir a sua obra à sua sexualidade. Este é o desafio que nos cabe hoje. É nesse fio que devemos nos equilibrar, sabendo, como nos ensinou Mário, que o buraco é sempre mais embaixo".
Todo o público presente riu e a aplaudiu muito!