Rumo ao oblívio

Na parte mais alta da Velha Serrana está o campo da paz. E só um pouco abaixo dele, o Asilo Padre Américo é que jaz. Tem lá umas poucas dezenas de residentes, destituídos, desvalidos, cadentes, fazendo sua derradeira parada para chegar à eternidade, em triunfal entrada.

Na sua maioria são anciãos, mas uns poucos felizardos há, que sem o abrigo de familiares, ali encontram o melhor sucedâneo dos lares. Tudo muito asseado, organizado e bem administrado, graças ao denodo de funcionários dedicados, seus aventais bem passados, engomados.

Foi em 1978 que lá eu havia estado pela última vez para recolher um tio e transferi-lo para Divinópolis que, para ele, parecia estar mais em conformidade com os desígnios do Pai. Voltando agora em 2015, reencontrei aquela mesma resignação dos residentes, já em nova leva, com o que o destino lhes reservava. Placidez, flacidez e altivez. Cada um à espera de sua vez.

Estive visitando o irmão Manuel Ricardo que, acamado, acolheu minha presença ao pé do leito. Falou-me de dores agudas, suspensas por um momento, mas que se alegrava naquela hora breve de relaxamento, que se aproximava do toque do Ângelus. Terço ao lado do travesseiro, bengala sem uso na cabeceira, e a metástase, silente, e traiçoeira. E a imagem da Virgem ali no canto, que lhe fora ofertada por uma pia alma, poderosa, com os olhos misercordiosos que a nós volvia.

Um inquilino meio mudinho, que vi na ida e volta pelo caminho, sentado num sofá, sorriu-me ambas as vezes, sem emitir um ruído sequer. Só o olhar esverdeado, esgazeado é que dele diziam todo bocado.

E reencontrei também a fisionomia esquecida, encanecida, abstraída,

de José César, contemporâneo de curso primário. Não me olhou, e talvez nem me reconhecesse se eu tivesse tentado relembrá-lo daquele episódio, de 58, ou 59, em que sua desesperada avó, Sinhana do Salvador - que uns diziam ter sido escrava - e que sem poder ir mais além, me pedira para reorientá-lo na rota para a escola.

Mas o Zé César, que então ia à minha frente, fez-me ouvidos moucos e, ao invés de dobrar à esquerda na direção do educalvário, daquela feita, dobrou à direita, em imediato alívio, rumo ao oblívio.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/07/2015
Reeditado em 16/07/2015
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