O trem da vida
Na infância, brincávamos por horas sobre os trilhos do “trem de ferro”. E lá vinha ele, apitando freneticamente como um monstro portentoso e enraivecido, fazendo tremer o solo e os corações pueris. Os garotos maiores colocavam galhos de árvores para que o gigante de aço os destruísse, mas o “limpa-trilhos” da locomotiva fazia sua parte, empurrando para os lados qualquer coisa que estivesse em sua frente. A animação era maior quando o comboio fazia manobras para acoplar mais vagões, movimentação barulhenta que durava um dia inteiro. Dias felizes aqueles, que não voltam mais. Acabaram-se de vez as brincadeiras inocentes, as amizades sinceras. Restaram vagas lembranças, guardadas em algum lugar na memória, de uma época em que qualquer coisa servia como diversão sadia, diante da simplicidade desconcertante de uma criança pobre.
Os tempos são outros, os amigos se dispersaram, a maioria vive cercada pelos filhos e netos. Os que continuam por perto já não ousam sequer comentar sobre aquela fase mágica da vida, em que se desfrutava da descompromissada felicidade. Outros já cumpriram sua missão e partiram para a última empreitada. É quando vez ou outra se recebe com pesar a notícia do desaparecimento de algum amigo de infância ou de um familiar e a melancolia teima em permanecer ao nosso lado por um tempo. Mesmo sabendo que a morte faz parte do ciclo natural da vida, temos dificuldades para aceitar a separação definitiva.
Isso só acontece porque estamos embarcados no trem da vida. Assim como aquele gigante de aço, esse também faz estremecer o coração e a alma das pessoas. Durante o percurso passamos por imensas dificuldades, mudando para o próximo vagão a cada novo recomeço. Poderemos até pensar que os amigos e familiares estarão sempre embarcados conosco, mas alguns descerão repentinamente na próxima estação. Encontraremos passageiros que se encarregarão de transformar a viagem num passeio extremamente feliz, outros se farão acompanhar de permanente e inexplicável tristeza e os que estarão circulando pelo trem da vida sempre prontos a auxiliar alguém que necessite de seus cuidados. Alguns descerão deixando muitas saudades. Outros, nem sequer serão notados.
Então aproveitemos a viagem agora, procurando aceitar o outro com todos os seus defeitos e limitações, relevando suas falhas. Vamos nos deleitar com as belezas da paisagem, deixando para trás todas as dificuldades, as queixas e as tristezas dessa vida. Que possamos com nossa alegria, iluminar a vida daqueles que não têm brilho próprio e vagueiam na escuridão do sofrimento. Lembremo-nos sempre da lição maior daquele que ofereceu sua própria vida para nos salvar: ”Em verdade eu te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23, 43). Esse é o maior exemplo de amor incondicional ao próximo. Que possamos receber a graça de viver sem a preocupação do inevitável e derradeiro desembarque. Que assim como o trem de ferro, ainda provoca uma avalanche de emoções, como naqueles longínquos bons tempos de criança.