SR. CONTENTE
Peguei um taxi no Congonhas em Sao Paulo. Ia na direção um senhor de 80 anos, que fez questão de anunciar a idade assim que começamos o papo. Adoro filosofia de praça, a sabedoria dos motoristas, aqueles boa praça que vivem de servir transportando.
A conversa foi legal. Contou que saiu da colheita de café em Goiás com 21 anos e veio tentar a vida em Sao Paulo. Taxista há mais de 50 anos, criou bem criados quatro filhos. Todos estudaram e trabalham bem empregados, todos permaneceram na cidade, casaram e lhe deram netos. A esposa que foi o amor da vida até falecer de câncer era tão perfeita e querida que nunca mais vai haver outra companheira feito ela. Disse que nunca teve saudade da vida na lavoura. Que aquilo era muito duro, pesado, cansativo, desgastante.
Nessa hora eu perguntei se não era igualmente difícil dirigir em Sao Paulo e então ele olhou pelo retrovisor com olhos de 80 anos que ainda brilham e respondeu que trabalhar nisso em São Paulo, é como sair pra passear todos os dias. Entender essa alegria pra mim, só pelo viés da gratidão. Teceu elogios a Deus que tem sido muito bom e generoso com ele. Ainda deu tempo de contar que se orgulha de não depender de GPS pra levar seus passageiros pois tem a cabeça boa e sabe de cor o mapa da cidade quase inteira.
Eu quero chegar aos 80 assim. Fiquei tão entretida com a maneira feliz de contar sua história que esqueci de perguntar seu nome.
Nos quinze minutos da corrida, ainda perguntou sobre mim. Ao saber que sou dentista e vinha a cidade estudar, me contou todo orgulhoso dos dentes sobre implantes que colocou na faculdade. Disse que foi a compra de 12 mil e tantos reais mais feliz da vida dele, porque há três anos pode comer de tudo sem ter uma dentadura 'tropeçando' na boca.
Seu 'Contente' tem mesmo o dom de viver bem - e eu gostei muito dele.