PRECISEI FALAR

Precisei falar

A ultima conversa que meus pais tiveram eu estava la pra ver...

Ele estava sentado em uma pequena poltrona do hospital e segurava entre suas mãos a mão dela...uma mão grotescamente inflada.

O unico som que ela produzia era o da respiração forte e arrastada mais um ronco do que qualquer coisa.

Vi meu pai como nunca antes eu vi naquele dia...

Voz emocionada falando baixinho

"Pode ir vai...descansa eu vou cuidar de todo mundo...todo mundo esta bem...mas me espera la...me espera por que logo vou atras de você"

Estremeci levemente ao ouvi-lo falar isto mas fiquei calado, tudo ali estava alem de minhas palavras

Sei que raramente as pessoas leem postagens muito longas então se por acaso você chegou até aqui e esta se perguntando por que escrevi isto...apenas pare de ler...deixe pra la você não vai entender...mas saiba apenas que existem coisas que uma pessoa precisa contar...

E eu hoje quero contar que ouvir meu pai falando em encontrar minha mãe em algum lugar que ele crê existir depois da morte produziu em mim um duplo golpe...

A dor de ver o coração dele partido diante da perda dela...de nossa perda,e o vazio de saber que não existe um lugar onde ela possa espera-lo.

Cheguei a pensar que talvez eu não estivesse honrando a memória de minha mãe como devia,que eu talvez estivesse aceitando bem demais a perda dela.

Então me dou conta de que não passa um unico dia em que eu não pense nela...

E doi mais ter que forçar a mente para lembrar dela com o rosto meigo que tinha...pois a primeira imagem que a mente trás é sempre dela com dor

É terrível perder esta referencia ...minha mãe não era aquele ser que eu vi na cama do hospital nem era aquele espectro sofrido que passava a noite balançando pra frente e pre trás na cama do quarto

Tenho que resgatar isto de dentro de mim a cada vez...

E quando vejo meu pai com o olhar perdido sentado em seu lugar predileto no alpendre da casa ou na sala...posso me enganar as vezes mas tenho certeza de que na maioria das vezes estou certo em pensar que é nela que ele pensa...

Meu pai nunca foi um homem frio ou distante mas sempre foi durão a imagem que vi naquele hospital me trouxe toda a ternura que só um amor antigo e forte pode trazer a vida de um homem...

Como ateu que sou eu não creio em espíritos ,fantasmas etc...

Mas sou assombrada assim mesmo todos os dias...

Não ,não se trata da aparição de minha mãe vagando pela casa...

Me assombram as memórias...

Vejo e revejo ela na cama do hospital

vejo e revejo ela chorando e gemendo com uma dor que não acabava

Vejo e revejo meu pai em silenciosa e sofrida vigília noite a dentro com ela

Ouço repetidamente as palavras dele nesta ultima conversa no hospital

Eu não preciso de fantasmas...as lembranças doem muito mais do que qualquer espectro poderia fazer...

"Me espera por que eu logo vou" disse o meu pai.

Há pai...há meu pobre pai...quantas memórias não lhe assombram também?

Talvez ela realmente o espere para este reencontro...

Em alguma memória vindoura dos que nunca vão esquecer vocês.