A falência de um escritor
Há tempos não sentia a leveza dessa caneta esquecida na gaveta da minha escrivaninha, sem contar nos papéis rabiscados à mercê da poeira da minha ignorância. Ridículo e estúpido tem sido eu por negligenciar as emoções de um escritor. Só quem gosta de escrever sabe como é libertador, depois de um dia exaustivo, sangrar em cima de uma folha de papel em branco, e deixar a imaginação fluir, assim como a água, perfeita, flui em seu caminho, deixando a pureza da sua matéria contornar os obstáculos ao seu redor impecavelmente.
Nunca vou me perdoar por ter ficado tanto tempo sem escrever, só agora consigo ver o quão valiosos eram aqueles papéis. Abandonados, registrei neles o que há de mais valioso em um escritor: a imaginação.
Quem me dera, ao menos uma vez, poder sentir novamente aquele gosto adocicado e ardido da mesma imaginação e criatividade de anos atrás. Era tão bom imaginar lugares, criar mundos oníricos, guerras, estórias supérfluas. O fato é que meu atual maniqueísmo tem me impedido de continuar sendo abstrato e, tampouco, concreto. Minha fonte secou, do meu caminho toda água se esvaziou, e a chuva está longe de chegar.
Agora, intacto, vejo-me parado no mesmo lugar. Quando surgem ideias, meu realismo incessante logo me provoca lapsos torturantes. Talvez seja porque meu subjetivismo me faz entrar em constante conflito com o meu individualismo.
Uma parte de mim grita, outrora cala; uma parte chora, enquanto outra sorri; uma morre e outra vive.
Lágrimas molham o papel, e assim levo a vida, arrastando-me com minhas feridas e cicatrizes nesse mundo imaginário sem perspectiva.
Diriam os tolos que estou morrendo em meio à minha falência e desilusão; mais vivo do que nunca, prefiro acreditar que tudo não passa de mero fruto da minha imaginação, e que estou em um longo processo de metamorfose e adaptação.
Mudo conforme às estações, e tenho a esperança de um dia me encontrar de novo. Bem lá no fundo eu sei que, de alguma maneira ou de outra, a primavera da vida vai chegar e eu vou renascer.