Todo dia é dia do rock, desde que ganhei de aniversário o disco You can’t stop rock’n’roll, da banda norte-americana Twisted Sister. E nem faz muito tempo: foi em novembro de 1986. Ainda ouço esse disco como se fosse a primeira vez!
 
No ano seguinte, 1987, fui no meu primeiro show de heavy metal: Vírus e Salário Mínimo. Do show não lembro quase nada, mas de algumas sensações lembro bem.
 
Com uma timidez absurda, escondia-me atrás de uma franja ridícula, evitando ao máximo o terror de falar com alguém. Dei o dinheiro para uma mão que me deu um ingresso e dei esse ingresso para outra mão que deixou que eu entrasse no teatro do Colégio Brasílio Machado.
 
O show já havia começado e o Vírus estava no palco. Fiquei parado, hipnotizado pelo som muito alto e pelas luzes piscando. Devo ter tomado um esbarrão e voltei a mim. Vi um cara, perto do palco, na escada, tocando uma guitarra de cartolina! Os caras da escola já haviam me falado disso e não acreditei, mas era verdade: tinha gente que recortava a cartolina em forma de guitarra para usar no show. Tinha também os que tocavam uma guitarra imaginária.
 
Um pouco mais para o lado, dois cabeludos balançavam a cabeça para frente e para trás numa velocidade incrível! Outras pessoas estavam sentadas nas cadeiras do teatro, outros conversavam, outros assistiam ao show, outros andavam para lá e para cá. E o Vírus tocando.
 
Vírus e Salário Mínimo fizeram parte da coletânea SP Metal, lançada em 1984 pela gravadora independente Baratos Afins, junto com as bandas Avenger e Centúrias. O Vírus tinha poucas músicas e me lembro de um solo de guitarra bem comprido, já que não tinham músicas suficientes para preencher o tempo do show.
 
No intervalo, no fundo do palco começou um briga; quer dizer: um cara apanhava de vários. Ele saiu voando de lá, depois passou correndo de volta, com outros atrás dele e todos sumiram lá para dentro. Acho que depois vi esse cara, e os outros que bateram nele, curtindo o show juntos. Ainda no intervalo encontrei um amigo de escola, com quem trocava discos, revistas, informações, emprestávamos discos uns para os outros e assim nosso mundo heavy metal se expandia numa rede social bem interessante.
 
Do show do Salário Mínimo não me lembro de nada! No final do show, praticamente saí correndo para casa. Ainda estava excitado com a experiência quase que surreal e com medo também, porque a vizinhança era perigosa naquela época.
 
No dia seguinte, fiquei sabendo pelos caras da escola que também foram no show, que na saída um grupo de punks estava na porta do colégio para tretar com os cabeludos, mas polícia chegou antes de terminar o show. Não vi punk nenhum porque baixei a cabeça e saí rapidinho, mas lembro de ver, de relance, as baratinhas da polícia; os fusquinhas cor de abóbora e pretos. Ter medo da polícia naquela época era um bom negócio.
 
A banda Vírus não durou muito tempo e encerrou suas atividades, mas o Salário Mínimo lançou um disco completo por uma boa gravadora no mesmo ano. Beijo Fatal é considerado um clássico do Heavy Metal brasileiro dos anos 80, mas a banda parou logo também. O vocalista China Lee continuou ativo na cena paulista e banda foi reativada em 2004 e em 2010 lançaram um novo álbum: Simplesmente rock.
 
Desde esse registro da coletânea SP Metal, em 1984, o selo Baratos Afins lançou discos das bandas mais importantes e clássicas do Heavy Metal Paulista dos anos 80: Harppia, Centúrias, Golpe de Estado e Alta Tensão (do Mato Grosso) são as principais. Nessa época, como não havia referências como hoje, as bandas não sabiam muito bem como fazer música pesada e quando uma banda entrava em estúdio para uma gravação, os amigos das outras bandas iam dar uma força, toques, opiniões, ideias. É desse intercâmbio sem igual que surgiu um estilo de Heavy Metal brasileiro muito bem feito, apesar das dificuldades de país atrasado.
 
Em 2013, a loja Baratos Afins comemorou 35 anos com uma série de shows de bandas lançadas pelo selo. Os shows aconteceram no SESC Consolação e o último foi do Salário Mínimo e Golpe de Estado. Além disso, teve participação especial da lenda Serguei que, acredito eu, seja o roqueiro brasileiro mais velho ainda vivo no Brasil, com 81 anos. Diz a lenda que ele a Janis Joplin tiveram um caso de amor quando se conheceram em Copacabana.
 
Nesse dia, com o Salário Mínimo, Serguei canto o clássico Born to be Wild com uma pegada que até Mick Jagger exclamaria algo do tipo: “Caaaaraca muléqui!” E o Golpe de Estado tocou seus dois primeiros discos na íntegra e na ordem das músicas. Os caras estavam com o diabo no coro da primeira música do lado A, do primeiro disco, até a última música do lado B, do segundo disco!
 
Foi a última vez que vi o grande e simpático guitarrista Helcio Aguirra com vida. Helcio é considerado um dos melhores guitarristas brasileiros e faleceu dia 21 de janeiro de 2.014, aos 54 anos.
 
Por esses dois simples acontecimentos, ganhar um disco e o primeiro show lá na distante adolescência, que meu Dia Internacional do Rock é todo santo ou endiabrado dia!



Carlos H F Gomes
Enviado por Carlos H F Gomes em 13/07/2015
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