TENHO HORROR A SAPOS!
Da série:Pequenas crônicas do cotidiano
23/09/2010
O rio das Antas vivia um tempo de águas límpidas. Ganços,marrecos,lavadeiras...E,como não poderia faltar:"Os piás de banhado".Êstes ,à quem sempre me integrei,nada mais eram que um bando de moleques que passavam a maior parte do tempo dentro d ´agua, fanatizados ao ponto de esquecer até a hora das refeições.Dos muitos quintais delimitados pelas barrancas, vinha a abundância de frutas capaz de suprir em muito a nossa “cadeia alimentar”.Daí o porquê de não retornarmos pra casa onde certamente alguma tarefa nos aguardava.
As margens dos arroios,apinhadas de varas de pescar,traziam a generosidade das amoras,ameixas e outras frutas,que entre um mergulho e outro eram colhidas ,clandestinamente,e saboreadas com o doce gostinho do fruto proíbido.
Tínhamos narizes queimados de sol e a nhaca de banhado encalacrada na pele.
Como prevenção,antes das costumeiras encrencas ao chegar em casa,descobrimos uma forma de camuflar o asco de lama esfregando-nos em folhas de cidró cheiroso o que conferia um toque alavandado ao corpo.
Piás de banhado sempre mostraram-se experts nas "toqueadas", termo utilizado para definir a tática de pegar o peixe,manualmente,em suas respectivas tocas.Metíamos as mãos entre as raízes submersas,nas barrancas lamaçentas e vibráva-mos com a proeza de agarrar os escamados em suas moradias.Acompanhando a façanha,um bando fazia até torçida pelas margens do rio.
Sol de dezembro...Sementes de branquinhos estourando à beira d´agua,piazada em alvorôço...Haviámos toqueado um grande trecho do rio até que,meu primo e eu,resolvemos entrar no potreiro de dona Júlia por onde havia um pequeno desvio do riacho.Passamos rapidamente pelas tocas conhecidas,atentos porque a polonesa não permitia o ingresso de ninguém em sua propriedade.Não tínhamos conseguido nada até o momento em que Luiz,meu primo,deparando-se com um buraco entre as touceiras de margaridas,grita:
_”Aqui tá cheio de peixe!”
Foi o suficiente para que minha arrogância,devidamente exposta, fizesse com que eu tomasse o seu lugar dizendo-lhe:
_Deixa comigo!...Vou pegá-los e depois dividimos.
O safado, sabendo o que viria pela frente não pestanejou,deixando-me livre para a tarefa.
Meti a mão e percebi um grande volume dos supostos peixes ao fundo da toca.Sentei-me na lama,cruzei as pernas numa posição de quem vai meditar e puxei a "peixarada" pra fora.
Minha gente!...Nunca vi tanto sapo em tôda a minha vida.Vieram pra cima de mim sapos amarelos,marrons,esverdeados,pintados,até sapos transando!...
Luiz,o diabólico,ria de orelha a orelha,pulava e chamava o resto da cambada pra assistir a cena.
Pasmado, eu,fiquei ali.Numa espécie de transe.Boquiaberto,perdido...
Foi o maior susto de que me lembro nos meus tempos de piá.Dêsde então,tenho aversão,horror,pavor...Pelos anuros de pele enrugada.
O tempo correu,virei chacota entre os "banhadenses" e cultivando a ira aos pobres coachantes dos arroios.
Colégio São Vicente.A figura que vos fala vive agora o auge de seus 17 aninhos e os "coleguinhas de escola" conhecem o episódio do potreiro de dona Julia,relembram e dão ainda boas
gargalhadas.
Aula de português.Padre Marcelo,em tôda a sua elegância e mineirice,fala sobre Guimarães Rosa.Num dado momento,ordena para que peguemos os cadernos para algumas anotações.
Abro o zíper da pasta na parte debaixo da carteira escolar.
A maleta parece se mexer.Maletas não se movem,penso com meus botões.
A minha não só mexeu-se,como vomitou de seu interior um majestoso sapo colocado carinhosamente pela galerinha dos antigos piás de banhado,antes do início da aula.
Aquele bicho horroroso caiu sobre a minha perna e tentando equilibrar-se agarrou-se às minhas calças.
Nem preciso dizer do escândalo que promovi.Diriam nos tempos atuais que "soltei a franga" ,literalmente.
Uma vez mais servi de graçinhas por um longo tempo.Até o padre,todo compenetrado,sentiu-se no direito de tirar uma casquinha pra cima de mim, com aquele sorrisinho caracteristico que se disfarça atrás do punho fechado sobre a boca
.
Tomei a decisão de contar esta história depois de ler o brilhante texto da Maria Olímpia falando de seus mêdos.
Embora o meu relato esteja longe do brilhantismo da grande escritora,tem a finalidade de levar o meu desabafo e o meu veemente protesto:
Tenho verdadeiro horror à sapos!
Joel Gomes Teixeira