Lágrimas na vidraça

Hoje existem gotas na janela. Gotas das quais não sei exatamente quando surgiram. Apenas amanheceu assim. E são tristes, são inertes. Chegaram para ficar. E ao que tudo me parece, o dia será delas.

São o reflexo do céu. Não se altera o céu. Tampouco se sobe até lá. No entanto, se pudesse... Talvez prevenisse meus dias. Salvaria a todos deste amanhecer. Mas eis o que se encontra. Eis o que tenho comigo. E de repente não me sinto bem. Com o céu, com as gotas, com a visão para dentro e fora dessa janela.

Faço uma análise. Sento -me para tomar o café. As coisas simples sempre produzem -me maiores efeitos. Deveria se parecer com um novo dia. Acordo e espero por ele, otimista por um céu aberto. Confiante e esperançosa. Abrirei as janelas! Todavia, deparo - me com um dia de aparência velha. Gotas. Hoje estão aqui porque querem estar. E permanecerão. Não há nada que se possa fazer. O mais poderoso sol talvez não secasse essas gotas.

Com um meio sorriso, busco me conformar. Hoje não poderei buscar as crianças na escola. Hoje não poderei lavar o quintal nem cortar caminho pelo bosque, porque a terra estará úmida. Não poderei secar as roupas no varal. Hoje não poderei sair de casa! Tudo terá de ser adiado. E que ironia, estava pronta... outra vez.

Ah, hoje tudo o que existe são incertezas... um dia branco que não é de paz. É frio. É esse clima que me persegue quando ignoro os dias ensolarados. E agora concluo, me persegue também quando busco me conciliar com o mundo. As gotas me surpreendem, choram pelos vidros da casa. Me roubam a frágil esperança. Em certos momentos, juro ouví- las pedirem perdão. Perdôo. Porque, afinal, não é culpa das gotas. Também me parecem vítimas de algo maior, incontrolável. Um vento que as arremessa brutalmente até ali. As gotas também são frágeis...

Porém, não me prendo à idéia do que as causa, do ponto inicial de um dia que julgo ser em vão. Me prendo às respostas, claras. Não as aceito. Ignoro. Rejeito. Quero o dia de ontem novamente! Quero o fim desse dia... Hoje todos os planos terão de ser repensados. Mais uma vez, terei de deixar para amanhã. Assumo minha culpa. Admito minha fraqueza. É que com gotas, eu ainda não posso lidar. E cedo. Deixo - as ali, quietas, e me calo até que vão embora. Independente do tempo que levem para sair. Novamente, hoje não dará para recomeçar. Mas sei da força desse mesmo vento para levar tudo o que traz. Conheço seu proceder. Se hoje me traz gotas, cabe a mim me acostumar. Cuidar para que esteja pronta, outro dia. Outra vez. E encontrar a maneira certa de enxergar por detrás dessa incerta vidraça.

Beatriz Beraldo
Enviado por Beatriz Beraldo em 11/07/2015
Código do texto: T5307705
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