SEGREDOS DA CEGUEIRA
 
          Quem vê apenas com os olhos não vê bem ou simplesmente não vê e tampouco percebe a beleza das coisas. Cheguei à conclusão de que olhar é um verbo para todos os sentidos do corpo; assim, se há quem coma com os olhos, por que não se vê com a boca? É pobre de visão ou de espírito quem olha apenas com os olhos. Fiquei confuso, em 1962, no Seminário, quando li em Saint-Exupéry que “o essencial é invisível aos olhos”. Mas em 1967, num trem de Roma a Napoli, também li que para enxergar o essencial é preciso, segundo Nietzsche, “aprender a ver”, o que sinalizava o oriental Lao-Tse: “Todas as coisas visíveis são setas que apontam para o invisível”.
          O italiano Morandini, meu professor de Lógica, ensinava ver com as palavras; bastava a luz do silêncio para se escutar a palavra em toda sua plenitude, num fenômeno ótico: a clareza, a clareza dos conceitos nas palavras enquanto olhos. Coisa de filósofo ou de poeta? Respondo apenas que isso acontece com as pessoas que vivenciam sinceramente a simplicidade, que criam no corpo janelas para a alma. É quando a alma, que nunca aparece, mostra-se em toda sua pureza, “in albis”, como na nossa imaginação dos tempos de criança: um lençol muito branco com buracos no lugar dos olhos...
           Somente os olhos precisam de óculos, de microscópios, de lunetas ou de binóculos. Ver sem os olhos não necessita desses instrumentos; isso fica para quem não consegue ver o céu cheio de estrelas a olho nu, de astros escondidos pela distância; ou para quem, a ser míope, só enxerga coisas perto de si, agarrando-as ao tato; é gente que só se excita pegando, jamais com a imaginação que vê o que não mostra o decote, ao recordar Barthes: O erótico é o que sugere o decote sem mostrar... A imaginação conhece as possibilidades do prazer. E assim verifica-se que tem razão Bachelard: “O que se vê não se compara com o que se imagina”. De olhos fechados, podemos ver profundamente o belo, admirar a arte de uma tela não apenas pelas cores e formas, mas provocados ao imaginário, à admiração do invisível, do que existe sem existir, o que não é realidade sem ser ficção. Saber ver sem os olhos demonstra estar num estágio evolutivo e torna preconceituoso que “quatro olhos veem mais do que dois”...