Crônica de Pronto Socorro

Já era de outrora meu anseio de criar um daqueles blogs um tanto clichês, mas muito divertidos, onde estudantes de medicina contam suas epopeias diárias, entretanto, o tempo sempre se faz um tanto escasso e, como sempre, meus maus hábitos conseguem assiduamente dissipar qualquer boa vontade que possa me vir para escrever sobre qualquer coisa. E já há tanto tempo que não escrevo que certamente os amigos recentes estranharão ao saber de tal costume que tanto se fazia presente. Mas, o fato que ontem se precedeu, de algum modo, me fora o gatilho para enfim resolver tentar afincar algumas palavras no papel e dar curso a mais uma daquelas minhas crônicas tortuosas. Pois, então, irei direto ao ponto.

Era em um desses plantões em unidades de pronto atendimento, onde alunos do segundo período são incumbidos de realizar estágio, fui designado para acompanhar as emergências. Logo no começo participamos do acolhimento de um jovem, 16 anos, que estava alcoolizado e muito inquieto, necessitava de medicação por via parenteral, minha colega que acompanhava comigo me perguntou se eu me importaria se ela realiza-se a técnica, acenei positivamente, e fiquei no aguardo do próximo paciente.

Demorou um pouco até que, por volta das 21hrs, pelas portas da emergência, entrava um senhor acamado, aparentemente uns 50 anos, cabelos claros, um pouco calvo, semiconsciente. Era um paciente que possuía acompanhamento pelo serviço de psiquiatria e que fora trazido pelo Samu por intoxicação exógena. Dirigi-me à enfermeira para questionar se haveria a necessidade de algum auxílio, ela, muito afável, me disse que precisaria de um cateterismo nasogástrio (introdução de cateter do nariz até o estômago). Certamente nem precisarei exprimir que, neste momento, já me houvera surgido aquela tal adrenalina que tanto permeia as trilhas íngremes de qualquer iniciante. Fora muito tempo com prática em protótipos, mas estes jamais substituirão a vivência sublime e desconsertante de estar frente a frente com um paciente.

Com a ajuda muito cordial do professor, pus-me a organizar os instrumentos, medir o comprimento do cateter (lóbulo orelha – narina – processo xifoide)... Mesmo pouco orientado, o paciente conseguia prestar alguma atenção quando o chamávamos pelo nome, orientei-o que precisaria que ele me ajudasse engolindo e, então, com a supervisão do docente, eu me deparava ali, com a ponta do cateter umedecido com xilocaína e prestes a inseri-lo na narina esquerda.

Respirei e pensei comigo, “é agora”... tomei coragem e iniciei a inserção... o cateter deslizava com mais facilidade, e muito mais naturalidade, do que nos protótipos que usávamos para treinamento, até que, devido ao desconforto próprio do procedimento, o paciente ficou muito agitado. Intimidei-me. Talvez até não fora muito perceptível por que, às vezes, eu consigo ter uma curiosa habilidade de me aparentar centrado enquanto que por dentro tudo está uma desordem... Todavia, o movimento de inserção que até então estava contínuo ficou por um relapso de tempo estático e, nesse ínterim, lembro-me dos rostos de meus colegas me fitando intensamente, do professor dizendo que não era para eu parar... mas, principalmente, de uma paciente que estava em um leito ao lado e que pouco sutilmente ria de toda aquela situação (Pois é... rs) até que então continuei.

No final, avaliamos que o cateter estava no lugar certo ao sugar certa quantidade de sulco gástrico e auscultar a região mesogástrica durante a injeção. Realizamos lavagem gástrica. E as coisas então ocorreram bem. Desde então, às vezes me pego pensando em tantas coisas ainda estão por vir e de tantas histórias que, assim como essa, algum dia poderei contar... E é como se, de algum modo, isso me fizesse bem...

Denner Sampaio
Enviado por Denner Sampaio em 10/07/2015
Código do texto: T5306371
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