DIA DE CHUVA

Chove lá fora. Incessantemente. É um desses dias em que ficamos presos em casa, imersos em nossos pensamentos, deles só saindo para pegar um livro ou uma revista. Cansado da leitura (os mesmos crimes, os mesmos escândalos, os mesmos argumentos, a mesma mesmice) aproveito para dar uma arrumada nas gavetas repletas e apinhadas de papéis velhos, quase imprestáveis, velhas fotos em preto e branco amarelecidas pelo tempo; enfim, o momento é propício para dar futucado nos "guardados": acho cartas que não respondi, retratos de pessoas que se foram, locias nessas fotos de que não me lembrava mais, livros que foram tão importantes ( A Mãe, de Gorki, Vidas Secas, de Graciliano, A Minha Formação, de Nabuco...), coisas que, mesmo com cheiro de mofo e naftalina, me tocam profundamente e... sinto uma pontadinha de saudade no peito avivando a memória, remetendo-me a um tempo passado. Nessas ocasiões as lágrimas rolam na face mais de alegria do que de tristeza. A saudade é um estado de espírito. É uma prova de que ainda estamos vivos e conseguimos ser sensíveis. São os velhos e bons tempos que voltam no videotape da memória neste dia de chuva de inverno. São os tempos de criança que voltam, que, como disse Ataulfo, a gente era feliz e não sabia. O ser humano é engraçado: quando é menino reza paa que o tempo passe ligeiro para chegar à idade adulta: quando esta chega ela lamenta não poder mais voltar aos tempos de criança. A infância é fundamental para a formação da pessoa. Hitler, Mussolini, Salazar, Stálin e a maioria dos tiranos, vá ver, foram crianças infelizes e por isso mesmo tornaram-se tiranos. Uma infância de menino pobre ou rico, vivida na sua plenitude, é certeza de que o futuro adulto será feliz, será uma pessoa capaz de ser sensível, solidária, humana. Caso contrário, teremos mais um prrpotente na praça. Quem não recorda com lágrimas de felicidade nos olhos ou não se enternece com suas lembrançs de criança não tem história, não tem tesouro, não tem nada, ér infeliz. E pode até se tornar insensível e perigoso.

Revendo os meus "guardados", enquanto a chuva bate lá fora, encontro velhos jornais, panfletos, um caderno escolar de apontamentos de quando eu ainda era estudante. Após uma rápida leitura em alguns tópicos do velho caderno fico contente, muito feliz mesmo, por constatar que continuo o mesmo: com as mesmas idéias. Continuo com os mesmos sonhos, espernças e ideais. A mesma vontade de lutar contra as injustiças e contra os prepotentes. Dentre os meus "guardados" não há nenhum vestígio de fortna, ações, títulos, letras bancárias... Não acumulei dinheiro, não amealhei nada de valor financeiro. Admito, sou um acomodado. Mas mesmo assim sou feliz. Felicíssimo. Mesmo vivendo numa sociedade em que os homens são dividos entre os que vencem na vida (seja lá como for, nem que seja derubando o próximo ou negociando seus ideais) eos homens que são "vencidos", ou seja, os que permanecem com sua idéias e sonhos, eu prefiro esta categogia: a dos sonhadores, "vencidos", visionários. Nem a chuva da intolerância e nem os trovões do arbítrio e da prepotência me fizeram mudar de idéia.

Junto novamente os meus trecos. Não rasgo nenhum dos paéis. Todos eles têm um significado. Um pouco da minha personalidade, das minhas manias, das coisas que gosto. Jamasis vou me separar destes "guardados", das minhas fidelidades. Não quero ser a palmatória do mundo, mas vou lutar até o fim pelo meu direito de pensar livre, de ter as minhas idéias, jamais vou permutar os meus ideais por cargos ou posições. Muito menos por dinheiro. Vou continuar vivendo de deixando os outros viverem, mesmo que alguns prefiram apenas fazer de conta que estão vivos. Coloco um velho disco bolachão na radiola e Nara Leão canta a música de Zé Keti: "Podem me prender, podem me bater, mas eu não mudo de opinião...".

Ah, se essa chuva que cai pudesse lavar um pouco da hipocrisia, da ambição desmedida, da falsa moral, da ganância, da maldade... Lava, Dona Chuva, as dores do mundo, a falta de caridade, o mau caratismo e a falta de solidariedade. Chove chuva...

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 10/07/2015
Código do texto: T5305937
Classificação de conteúdo: seguro