Depois do encontro, a morte
Depois de muitos anos, a encontrei, num desses Shoppings, andando com a ajuda de sua bengala. Fiz os cálculos, e conclui que ela tinha mais de setenta anos.
Mas, apesar da idade, continuava bonita. Guardava os traços finos que a fizera, em tempos já tão distantes, uma mulher charmosa e desejada. Chamemo-la Lindaura, com o propósito único de preservar a sua identidade.
Abordei-a, com um sutil e delicado galanteio. Visivelmente assusta, confessou-me ter pensado que o galanteio viera de um enxerido qualquer. Não posso, entretanto, garantir que o ousado galanteio, naquela altura de sua vida, lhe não soara como uma gozação.
O certo é que, trocadas as primeiras palavras, o inesperado reencontro foi só abraços cheios de saudades...
Apoiada na sua bengala - que de certa forma me condoeu -, Lindaura, discretamente chorando, mergulhou em relembranças longínquas. Parecia ter encontrado o momento certo para um dorido desabafo.
Começou, dizendo que fora infeliz no casamento. Enfrentara a infidelidade do seu marido que, sem lhe dar a mínima, fugira com a sua secretária, mal completara o casal vinte e cinco anos de casado.
Não tivera filhos. E sobrevivia com os proventos que recebia, aos quais fez jus depois de mais de trinta anos de repartição.
Para completar, perdera um dos seios, que eu conhecera, lindos e suplicantes. E, de repente, me perguntou por que o câncer insistia em atingir um dos mais belos pedaços do corpo da mulher.
Nesse momento, não sei por que, lembrei-me das mamas de Sulamita, assim elogiadas no Cântico dos Cânticos: - "Os teus dois seios parecem dois cervotinhos/ filhos gêmeos duma gazela." (Cânt 7, 3). À sua pergunta, eu não soube responder. Mas lhe disse da minha revolta contra o miserável câncer de mamas.
Covidei-a pro cafezinho. Ela aceitou, mas com uma condição: que acompanhasse "um pãozinho de queijo". Nos sentamos num lugar reservado; o mais longe possível do bulício do Shopping; bom para ouvir e contar histórias.
Foram mais de duas horas de prosa. A tarde terminava, e, com ela, a nossa conversa. Marcamos novo encontro. Num restaurante por ela prontamente escolhido. Despediu-se, dizendo: "Olha, não deixe de ir. Lá tem um pianinho legal tocando músicas do nosso tempo..."
Hoje, no início da manhã, recebi um telefonema. Alguém, que não conheço, me deu essa notícia: "A Lindaura morreu ontem à noite!"
Eu vira: na sua cadernetinha ela anotara meu nome, data e local do novo encontro.
Aquele papo inesperado no Shopping servira pra me despedir da amiga Lindaura, depois de anos sem vê-la. Coisas da vida!
Depois de muitos anos, a encontrei, num desses Shoppings, andando com a ajuda de sua bengala. Fiz os cálculos, e conclui que ela tinha mais de setenta anos.
Mas, apesar da idade, continuava bonita. Guardava os traços finos que a fizera, em tempos já tão distantes, uma mulher charmosa e desejada. Chamemo-la Lindaura, com o propósito único de preservar a sua identidade.
Abordei-a, com um sutil e delicado galanteio. Visivelmente assusta, confessou-me ter pensado que o galanteio viera de um enxerido qualquer. Não posso, entretanto, garantir que o ousado galanteio, naquela altura de sua vida, lhe não soara como uma gozação.
O certo é que, trocadas as primeiras palavras, o inesperado reencontro foi só abraços cheios de saudades...
Apoiada na sua bengala - que de certa forma me condoeu -, Lindaura, discretamente chorando, mergulhou em relembranças longínquas. Parecia ter encontrado o momento certo para um dorido desabafo.
Começou, dizendo que fora infeliz no casamento. Enfrentara a infidelidade do seu marido que, sem lhe dar a mínima, fugira com a sua secretária, mal completara o casal vinte e cinco anos de casado.
Não tivera filhos. E sobrevivia com os proventos que recebia, aos quais fez jus depois de mais de trinta anos de repartição.
Para completar, perdera um dos seios, que eu conhecera, lindos e suplicantes. E, de repente, me perguntou por que o câncer insistia em atingir um dos mais belos pedaços do corpo da mulher.
Nesse momento, não sei por que, lembrei-me das mamas de Sulamita, assim elogiadas no Cântico dos Cânticos: - "Os teus dois seios parecem dois cervotinhos/ filhos gêmeos duma gazela." (Cânt 7, 3). À sua pergunta, eu não soube responder. Mas lhe disse da minha revolta contra o miserável câncer de mamas.
Covidei-a pro cafezinho. Ela aceitou, mas com uma condição: que acompanhasse "um pãozinho de queijo". Nos sentamos num lugar reservado; o mais longe possível do bulício do Shopping; bom para ouvir e contar histórias.
Foram mais de duas horas de prosa. A tarde terminava, e, com ela, a nossa conversa. Marcamos novo encontro. Num restaurante por ela prontamente escolhido. Despediu-se, dizendo: "Olha, não deixe de ir. Lá tem um pianinho legal tocando músicas do nosso tempo..."
Hoje, no início da manhã, recebi um telefonema. Alguém, que não conheço, me deu essa notícia: "A Lindaura morreu ontem à noite!"
Eu vira: na sua cadernetinha ela anotara meu nome, data e local do novo encontro.
Aquele papo inesperado no Shopping servira pra me despedir da amiga Lindaura, depois de anos sem vê-la. Coisas da vida!