ANGU-DE-CAROÇO

De vez em quando vou ao Mercado da Encruzilhada, aqui em Recife. Vou escondido porque minha família me proibe de ir lá porque sabe que vou tomar umas "bicadas" de cachaça. É vero, mesmo proibido pelo médico, buirlando à vigilância familiar, vou duas vezes por mês ao mercado e tomo quatro bicadinhas de Pitu Gold ou de cachaça Triunfo, naqueles copinhos pequenininhos e pesadinhos. E o dono do "boteco" que conheço há anos e sabe do meu problema de saúde só me ajuda no quesito tira-gosto com um pires pixototinho de sarapatel. Fico ali numa mesinha assuntando a maçaranduba do tempo e manjando o movimento, quase nunca há um arranca rabo, rebu ou angu-de-caroço. O cara do boteco ainda bota na radiola as três músicas que gosto de ouvir nesses momentos: "Minha Rainha" com Noite Ilustrada, "Segredo", com Dalva de Oliveira, e "Pecado Ambulante" com Nelson Gonçalves ou Carlos Augusto.

Bom, um dia desses, estava ali tranquilo tomando minha segunda lapaddinha e bicando com parcimônia o pires de sarapatel, quiando chegaram numa mesa vizinha três caneiros conhecidos no pedaço. Um trio que marca ponto todo dia no local. O primeiro é um cara caladão mas muito boa gente, todo mundo gosta dele, o segundo é um sujeito de óculos de fundo de garrafa metido a intelectual e triste, e o terceiro é um cara que bebe demais, já está papudinho de tanta cachaça, por isso é apelidado de Papudinho. Começaram a conversar siobre a nova fase do Santa Cruz, todos três são tricolores, aliás, no mercado quase todo mundo é tricolor. Mas aí o segundo, o medido a intelectual e triste, resolveu se abrir com os dois amigos e contar um problema familiar, íntimo, que estava tendo com a sua esposa. Disse que ela estava insatisfeita com o rendimento dele na alcova (falou essa palavra, alcova) , que ele tinha que ser mais criativo. Adiantou que estava com uma pulga atrás da orelha porque, explicoiu, sempre tomava o azulzinho antes de ... , não falhava, embora, confessou, não fosse muito bom de pegada, também, relevou, não era mais um garoto. E ficou calado e triste. Foi quando o papudinho resolveu dar o seu pitaque: "Primo (chama todo mundo de primo), as mulheres hoje estão mesmo mais exigentes, elas agora querem passear na roda-gigante para sentir aquele friozinho, não se contentam apenas com a tradiconal que damos feito um galinho egoísta. Por isso é que devemos acabar com certas besteiras, muitas vezes é preciso apelar para a presa de bico, tá ligado?". Começou uma espécie de angu-de-caroço, o intelectual levantou-se brabo e indignadfo, afirmando em alto e bom som que jamais se rebaixaria a essa baixeza maculando sua língua, que o companheiro era um cabra safado e sem caráter adepto de usar a língua para coisas obscenas (pronunciou esssa palavra). E partiu para agredir o papudinho, era mais forte, o papudinho é pequeno, fraco, e já estava aos baques. Foi aí que o primeiro, o caladão, tambpem se levantou e rapidamente pegou na breca do intelectual e fê-lo sentar-se na marra e disse sério: "Deixe de brabeza, compadre!, você está perdendo as estribeiras sem motivo, chamando à atenção de todo mundo, querendo agredir um irmão nosso. Papudinho não disse nada demais. Ele apenas lhe deu ua dica, foi você quem puxou o assunto querendo opinião, não foi? Olhe, seu brocoió, a língua não existe só para falar e lamber pirulito. Hoje é encarada como órgão sexual no mundo todo. Você deve fazer esse agrado à comadre. Quando chegar em casa e for para a atal alcova tire a merda desse óculos de fundo de garrafa e essa chapa frouxa e mostre serviço, a comadre vai adorar correr na roda-gigante".

A calama voltou, minutos depois já estavam conversando animadamente sobre futebol, mas não sobre o Santa Cruz, mas dizendo que Dunga era um técnico burro. Tomei a última lapada, raspei o pires de sarapatel, paguei a conta e saí, ainda ouvi o som da radiola, era Nelson Gonçalves cantando: "Quando ela passa/ florindo a caalçada...". Adoro essa música, mas estava pensando divertido no angu-de-caroço que deu chabu, e certo que o metido a intelectual iria seguir à risca a dica do papaudinho. Na certa a esposa dele vai correr na roda-gigante e sentir aquele friozinho. A gente se diverte no mercado. E priu.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 09/07/2015
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