NO SILÊNCIO DAS MADRUGADAS
Da série:Pequenas crônicas do cotidiano
NO SILENCIO DAS MADRUGADAS
Madrugada de domingo.Silenciosa, como são tôdas as madrugadas. Uma lua cheia campeia um céu marejado de estrelas e o jasmineiro, ao lado do portão, derrama odores nostálgicos que vão entrando pela minha janela.
Uma vez mais, um apito de trem soa distante (lá pelas bandas da Lagoa,presumo) bolinando minhas lembranças.
E,como se fora uma sina, sempre que ouço apitos destes comboios da madrugada, vem-me à imaginação aquelas antigas estações de trens.
Hoje,especialmente, num cenário onde a neblina torna os seres opacos,visualiso mergulhada a plataforma.
Alguém toca bandoneon. Um tango! Algo de melancólico nos acordes agazalham-se na serração.
De repente surge um casal. Elegantemente vestidos.Chego a sentir resquícios de um perfume antigo.”Le Narcisse Noir”?Talvez... O cavalheiro oferece à dama uma rosa vermelha.Esta, a beija e depois lentamente roça-lhe a nuca com a flor em gestos sensuais, afetuosos.
A canção toma corpo,agiganta-se e o casal dança com frenesi nas brumas da madrugada.
Subitamente,a música pára. Os dançarinos evanescem .Cruzando a plataforma vazia, um velho senhor de sobretudo cinza, valise na mão, adentra num dos vagões.
A silhueta beira ao sinistro.Êle ajeita o chapéu,fezendo um gesto de despedida à moça recostada na mureta.
A sineta da estação rompe o silêncio e o trem lentamente vai seguindo.
A solidão dos trilhos traça em paralelo um novo rumo.Escorre em palidez a luz do último vagão se distanciando e a plataforma vazia põe-se à espera de outros trens, outros bandoneons, outros tangos...
Soa à distância o berro dolorido de mais um apito.
Eis-me aqui, à espera de outros apitos dilacerando madrugadas insones...
Joel Gomes Teixeira