Angústia passageira

         
Noite dessas, quando abria o Word, assaltou-me a suspeita de que ninguém lê o que eu ando escrevendo, e com inexplicável ousadia, chamo de crônicas.
          Diante dessa tremenda e constrangedora dúvida não forcei a barra: fechei o computador, decidido a parar de escrever. Na mesma hora,  fui atingido por profunda e desconcertante an-gús-ti-a!

          Vejam o que, em seguida, aconteceu. 

          Feito um tresloucado, saí pela casa perguntando às paredes: será que vale a pena passar noites e noites, sob a luz de um abajur, escrevendo crônicas que ninguém lê?

          Para relaxar, pus um uísque, com tônica, e liguei o som para ouvir o Nelson Gonçalves e o Orlando Silva. 
         Como o uísque não era minha bebida preferida, tomei um gole, apenas. O resto foi parar no ralo da pia da cozinha.  "Um crime", diriam os meus amigos amantes de um escocês legítimo.

          Pensei: uma cerveja caía bem. 

 Mas não tinha cerveja na geladeira. Deixara de comprar minha Bavária depois de ouvir da minha cuidadosa médica esta advertência: "Cuidado com as bebidas. Lembre-se que você é diabético. Foi o que acusou sua curva glicêmica." 
          Além da cervejinha, tive que esquecer a linguiça, a azeitona preta, o salaminho, e o queijinho provolone, meus sagrados tira-gostos.

         Continuando angustiado, pensei no cigarrinho. Mas deixara de fumar, e ja fazia muitos anos. E aproveitei para recordar, com saudades, o meu último Hollywood... Muita coisa boa escrevera, entre uma tragadinha e outra...

          Impaciente, abri o meu velho arquivo. 
Esparramado numa cadeira de balanço, busquei, nas pastas cheirando a naftalina, minhas  crônicas mais antigas;  rabiscadas aí por volta de 1985-86. E com a ternura de um pai coruja, fui lendo, uma por uma, madrugada adentro.

          Lendo-as, descobri que valera a pena tê-las escrito. Elas guardavam causos e fatos interessantes que estariam (ou seriam) esquecidos, se eu, no momento certo, não as tivesse laçado no papel.

          Reanimado, decidi continuar escrevendo.
Voltei ao computador, e em questão de minutos, nasceu esta crônica.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/06/2007
Reeditado em 09/09/2013
Código do texto: T530385
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