Monstros que me habitam
Recentemente assisti a dois filmes que me fizeram pensar nos monstros que vivem dentro de mim. O primeiro foi o argentino "Relatos selvagens", que mostra pessoas completamente fora de controle, fazendo coisas que, muitas vezes, nós, pacatos cidadãos, gostaríamos de fazer. O outro foi o norte-americano "Onde vivem os monstros", que nos leva a um mundo imaginário criado por Max, um menino bagunceiro, criativo e rebelde. Lá vivem seus monstros: o selvagem, o tímido, o medroso, o inseguro, o melancólico, o prestativo e o arrogante (os rótulos são arbitrários, criei-os só para esta crônica, porque no filme as personalidades dos monstros são mais complexas).
Pensando nos monstros que me habitam, e comparando-os com os do Max, percebo que alguns coincidem.
Algumas vezes sinto-me tomado por dois ao mesmo tempo, os meio-irmãos medroso e inseguro, que me prendem, me prostram e me calam. Só me livro deles quando chega o selvagem, arrebentando com tudo, ou o prazeroso (que eu não identifiquei no mundo de Max, mas que no meu existe).
Quando chega o prazeroso, o medroso e o inseguro vão embora. Sinto-me livre e leve. Isso acontece quando dou aulas de história, quando escrevo meus contos e crônicas, quando converso sobre literatura e cinema com quem gosta de literatura e cinema, quando estudo línguas estrangeiras, quando viajo, quando estou com a minha família ou com amigos especiais... Ah prazeroso... meu monstro preferido...
O mais difícil de lidar é o selvagem. Normalmente ele surge quando a criança em mim quer brincar e não pode, quando o balde da frustração está prestes a entornar, cheio até a borda. O selvagem vem para me salvar, para me trazer de volta o prazer. O problema é que ele vem agressivo demais, insolente, sem papas na língua. Quase sempre, nesses momentos, o racional (outro monstro que eu não encontrei no mundo de Max) me segura e não me deixa chutar o balde.
Dentro de mim o prazeroso não gosta do racional. O racional é sério demais, organizado ao extremo, adora números e cifras, gráficos e tabelas. Gosta de tudo planejado e sob controle, em ordem, com objetivos bem traçados, bem ‘pé no chão’. O prazeroso prefere o selvagem e seu caos interior: estão quase sempre juntos, escondidos na floresta ou caminhando pelo deserto.
Em mim, o racional é amigo do medroso, seu general, que me controla, me enquadra. Quando eles estão no comando, o prestativo se aproxima, tornando-me útil e servil, bobo, às vezes até patético. É ele que me faz engolir desaforos calado...
Uma vez sonhei que o prazeroso e o selvagem planejavam tomar o poder de vez em mim, matar o racional e o medroso, prender o inseguro e o prestativo, e manter rigoroso controle sobre os outros. Acordei assustado e com medo... muito medo.