SARAU, ARTE LIVRE
Puta que pariu! Minha nossa! Quando me apercebi lá estava eu no meio da sala, nervoso com mil olhos a me fixar e mil ouvidos sedentos por cultura. – Pai, comece você, foi assim que Alexandre abriu oficialmente este sarau. De repente, não mais do que isto me vi muito longe dali a muito tempo também.
A sala do clube, reservada para o sarau tinha um toque feminino e foi cuidadosamente arrumada pela Vanda. Ela era violinista e adorava tocar nos saraus; Tocava Stravisnki, Bach e outros. Ela não era linda, mas de um coração belo, de uma gentileza finíssima, de companheirismo incansável e apaixonadíssimo pelos saraus. Ela se realizava; se entregava toda nos afazeres de organizar o cerimonial – Por que você não se apresenta para uma grande platéia? Você toca tão bem, sempre tinha alguém incentivado a Vanda. – Não; prefiro aqui porque estamos entre amigos e todos vocês tem apreço pelo que faço, respondia ela, humildemente com um sorriso amarelo no canto da boca e ficava o tempo todo tocando, como fundo musical enquanto se recitava ou se fazia a leitura de trecho de algum clássico. O sarau acontecia aos domingos à tarde.
Lendo os versos alexandrinos, completamente absorto, seduzido pelo ambiente. O som do violão que o Daniel fazia como fundo musical pareceu-me o som de um violino, fiquei confuso, meu coração se descompassou e por instante não sabia em que época estava. 45 anos atrás ou agora? Mas o som das palavras é forte e decisivo – Este soneto eu fiz para minha filha, foi esta frase que me trouxe para a realidade, do hoje, do agora.
O sarau homenageou Chiquinha Gonzaga, Graciliano Ramos e Grande Otelo.
O apartamento 204, bloco 10 do Tívolli estava todo preparado ao gosto anarquista do Alexandre e com um toque feminino da Bela. Pedras, livros, cartazes e até algumas páginas dos famosos catecismos pornográficos dos anos 60 que a Maira sensualmente apresentou para a galera. A sopa de feijão estava ótima, mas o Xandão, com medo de que faltasse a gororoba pediu ajuda para Irene no patrocínio de uns salgadinhos.
Todos entraram no clima como se já fosse um velho costume; em silêncio prestavam atenção nos trechos apresentados; suspiravam ao toque maravilho que o Daniel empreendia ao violão num Vila Lobos clássico ou se envolviam na apresentação da Sol; na poesia do Bruno; na poesia de Fernando Pessoa declamada pela Calinka ou na fala final da Bela.
O ambiente às 23,30 horas era tranqüilo, mas bastante animado com luzes apagadas e todos dançando um tango na voz de Mercedes Sosa no comando da Bela, tão animado que fez o representante do síndico deste bloco chegar até a porta e delicadamente soca-la.
O Alexandre vai atender imaginando mais alguém interessado no sarau e dá de chofre de encontro com uma cena dantesca.
O indivíduo, representante máximo da autoridade do condomínio, espumando por um canto da boca, com os olhos avermelhados, esbugalhados, vestindo do lado avesso apenas à parte de cima do pijama; um pé com chinelo e outro não; o cacete a mostra, meio duro meio mole – por certo deveria estar numa tentativa final. O cabra estava bonito para um filme de terror. Olha para o Alexandre e grita:
- Que caralho é isto? Eu quero dormir.
O Alexandre, que tinha acabado de ver a apresentação da Sol e estava embebido nos rebolados do tango imaginando que o cara estava ali tão somente representando uma peça dramática deu então sua colaboração, apontando para o bilau dele, num tom teatral fala:
– Meu nobre, se é isto ai, relaxadamente pendurado no meio de tuas pernas!!! Cara!!! e fazendo uma pausa, comprimindo seus lábios e meneando a cabeça de um lado para outro, arriscando mais uma olhadela para aquela coisa bruta mole acrescenta em tom solene:
- é muito mole e não fará sucesso algum nesta festa. Botando a mão no ombro dele quis completar: - enfim... Não terminou a frase. Foi o fim da festa, pois o cara ficou mais possesso, derrubou o Alexandre com um golpe e não fosse à galera toda vir acudir a esta hora o Alexandre já era.
As meninas apavoradas aos gritos, vendo aquele caralho mole correram para os quartos, privadas, cozinha, dispensa e para debaixo da mesa. Os meninos como não tinham para onde correr foram juntos com diplomacia tentar conversar e convencer o animal:
- Tio, estamos indo embora, volte dormir tranqüilo.
O tiozinho, com uma mão tampando o mole e com outra encobrindo a bunda desceu a escadaria de ré.
O Alexandre, livre do sufoco se levanta rápido e com os braços erguidos para cima da cabeça grita:
- Otimismo!!! Otimismo!!! Galera, a festa continua e tem surpresa à meia noite lá na rua.