PARADOXO DA PARTIDA

Fechem os olhos e imaginem o seguinte: Pense no seu cãozinho de estimação que lhe dedica amor incondicional todas as horas do dia e da noite; protege-te; espera-te o tempo que for necessário; conhece bem o teu cheiro, inclusive fareja a tua tristeza e se põe ao seu lado com intuito de confortá-lo; vê muito mais que você; ouve muito mais que você; sente o cheiro do medo e do perigo iminente. Você pensa que protege, mas é ele, fiel, que te protege. Ele é um animal dito irracional e você um ser superior. Se você morrer, é provável que ele fique doente de tristeza ou depressão. Em alguns casos pode até morrer também. Não é a morte que desencadeia estes sentimentos, é a separação. Talvez o cãozinho não saiba que a morte seja um fato concreto, mas ele vive a sua lealdade com entusiasmo todo o tempo sem a percepção do próprio tempo. Nós humanos sabemos que a morte é um fato concreto, entretanto nos comportamos como se fôssemos eternos, mesmo tendo a percepção bem clara do tempo. Nós humanos, superiores ao cãozinho, também sofremos com a separação. É este o paradoxo da vida. Sofremos porque nos separamos de quem foi antes de nós. Preservamos-nos ao máximo para retardar o fim implacável da nossa jornada e quando esta chega, damos as mais esfarrapadas desculpas. Somos os senhores de nossos destinos, mas não somos os senhores do nosso ocaso.

Sérgio Clos