O bispo e os ladrões
Nesses tempos em que, até mesmo para cristãos, bandido bom é bandido morto, e que quem deles se apieda seria melhor que os levasse para casa, eu me recordo do bispo de Digne, figura importante no clássico “Os Miseráveis”, do Victor Hugo. O bispo de Digne, sendo bispo, era, evidentemente, cristão. O que significa que, neste ponto, ele estava acordo com grande parte dos nossos atuais representantes políticos e formadores de opinião. Mas o bispo tinha um modo diferente e próprio de julgar as coisas, que Victor Hugo supunha aprendido do Evangelho – e deve ser aí que ele se distancia de muitos cristãos dos nossos dias.
Ora, pois este bispo teve que fazer uma visita pastoral a uma aldeia, mas, para chegar lá, seria preciso atravessar uma cadeia de montanhas onde, sabia-se, se refugiava um terrível grupo de salteadores. Como se não bastasse, o bispo queria ir sem escolta. Naturalmente, tentaram demovê-lo da idéia. O bispo, porém, argumentou que era preciso que também os moradores daquela aldeia ouvissem a palavra de Deus. “Mas e os salteadores?”, quiseram saber. Ao que o bispo respondeu: “O senhor tem razão. Pode ser que eu os encontre. Também eles devem precisar que lhes falem um pouco de Deus”. E, obstinado, seguiu adiante.
Mais tarde, ele refletiu da seguinte maneira: “Nunca devemos ter medo de ladrões ou assassinos. São perigos externos e os menores que existem. Temamos a nós mesmos. Os preconceitos é que são os ladrões; os vícios é que são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. Que importância tem aquele que ameaça a nossa vida ou a nossa fortuna? Preocupemo-nos com o que põe em perigo a nossa alma”. E, mais adiante: “Não deve existir precaução alguma contra o próximo. O que o próximo faz é permitido por Deus. Quando pressentimos que algum mal vai nos acontecer, limitemo-nos a rezar. Rezemos, não por nós, mas para que o nosso irmão não venha a pecar por nossa causa”.
Quer me parecer que não é exatamente isso o que pensam algumas lideranças em nossos dias.