Este texto - e outros da mesma série - fazem parte de narrativas sobre momentos que vivi durante minha infância e adolescência, aqui em Petrópolis. Estão divididos em 9 partes, e quem desejar ler todas elas, pode encontrá-las em meu blog Histórias : AS RUAS DAS ÁRVORES QUE CHORAM - Histórias em Petrópolis. Procurem pelos arquivos do mês de abril:
http://anabailunecontos.blogspot.com
Foto: O ipê próximo à Praça da Liberdade- por Ana Bailune
Cresci na Petrópolis das baixas temperaturas. No inverno, às vezes elas atingiam quase zero. A cidade era bem mais úmida, o que favorecia o crescimento das hortênsias que pintavam as ruas de vários tons de azul. Minha avó paterna morava em um bairro chamado Duchas. A casa dela ficava no topo de uma ladeira, de frente para a rua, e havia na lateral da casa um morro coberto de Marias-sem-vergonha brancas. Estas flores também são conhecidas como Impacient (já ouvi um jardineiro dizendo “impachent”). Eram muito comuns em Petrópolis, especialmente na subida da Serra, onde proliferavam na beira das estradas em cores que variavam entre branco, laranja, vermelho, rosa-claro, lilás, roxo, rosa-choque e vinho. Com a mudança do clima, hoje são bem mais raras. Crianças, brincávamos de ‘pintar as unhas’: passávamos água nas unhas e colávamos as pétalas sobre elas. Durava pouco, mas era divertido... havia muitas moitas destas flores lá em casa, e minha mãe era uma defensora feroz delas. Quando meu pai capinava o terreno, ela ia olhar toda hora para ver se ele não as estava arrancando. Minha mãe gostava de olhar da rua para a casa e ver as flores espalhadas pelo caminho.
Mais tarde, as hortênsias foram sendo substituídas por lírios amarelos. Os canteiros da cidade passaram a apresentar estas flores. As hortênsias sumiram, praticamente desapareceram, e a alcunha de Cidade das Hortênsias deixou de ter sentido. Hoje eu as tenho em meu jardim, e adoro abrir a janela de manhã e deparar com elas, plantadas junto ao muro.
Na época da quaresma – e isto acontece até hoje, graças a Deus – Petrópolis cobria-se de amarelo e roxo. As quaresmeiras e manacás-da-serra em flor são uma coisa linda de se ver! A gente olha para as florestas e, entre as muitas espécies de árvores, vemos aquelas manchas coloridas de flores. Em setembro, são os ipês... rosas, amarelos e roxos. Árvores enormes - ou bem pequenas ainda, como as que foram plantadas no centro histórico - proporcionam um espetáculo inesquecível que dura apenas uma semana. Próximo à Praça da Liberdade existe um ipê famoso. Fica no jardim de um prédio, bem na entrada, e a floração é tão abundante e magnífica, que todo mundo para a fim de fotografar e admirar. Eu mesma tenho várias fotos dele.
Cresci entre as hortênsias, Impacients, quaresmeiras, manacás-da-serra, lírios amarelos e Ipês. Quando comecei a trabalhar, acordava nas manhãs geladas de inverno, bem cedo, tomava banho e me vestia para ir ao trabalho, e enquanto caminhava eu via a minha respiração e as das outras pessoas acumulando-se diante dos nossos rostos feito nuvens brancas.
A luz da manhã é sempre linda no inverno. Adoro ver quando ela começa a dissolver a névoa ainda sonolenta que descansa sobre as montanhas e ruas! Aos poucos, o dia branco transforma-se em um dia de céu azul límpido como não existe em nenhum outro lugar do país. O céu de Petrópolis é o céu mais azul que eu já vi; quando ele cisma de ser azul, nada o supera. É tão bom sentar-se ao sol de inverno e sentir como ele aquece sem esquentar demais, sem invadir ou incomodar! Sentir o vento frio deixando o rosto rosado é delicioso, e a pele esticada parece até ficar mais jovem. Eu amo o frio e o inverno, e lamento profundamente que o clima tenha mudado tanto nos últimos anos.
Quando criança, eu podia brincar com várias espécies de besouros coloridos, alguns nacarados, e outros, listrados, que comiam as folhas dos bambuzais, e com as joaninhas coloridas que se alimentavam das vassourinhas (arbusto baixo que antigamente era amarrado em feixes e usado para varrer). Havia também muitas espécies de lagartas vermelhas, cor-de-laranja, verdes e pretas. Dizem que elas queimam muito, mas felizmente, nunca toquei em uma delas. Também havia aquelas de pele muita fria e lisa, verdes, amarelas, listradas, azuladas, algumas muito grandes, que eu deixava passear sobre os meus braços. Havia muitas espécies de insetos que já não se vê mais por aqui.
E os vaga-lumes... eram tantos, que pareciam estrelas descansando sobre o capim e as árvores. Eu gostava de pegá-los e coloca-los dentro de um vidro. Amava vê-los acender e apagar. Mas sempre os soltava logo depois. As noites Petropolitanas eram cheias dessas criaturinhas, piscando e piscando, em luzes azuladas, amareladas, verdes e brancas. Hoje em dia, dificilmente eu vejo algum. Às vezes eles aparecem por aqui no verão, e eu os vejo na mata em frente à casa. Raramente um deles aventura-se pelo jardim. E as joaninhas e besouros também são bem mais raros...
Eu morava no bairro Caxambu, rua Flávio Cavalcante. A rua tinha este nome em homenagem a um grande apresentador de TV daqueles tempos. Ele era nosso vizinho. Muitas vezes, quando brincávamos na rua, ele passava em seu carrão com motorista, e acenava para nós, crianças, que precisávamos interromper o nosso jogo de bola toda vez que passava um carro. As pessoas gostavam de fazer turismo na chácara de Flávio Cavalcante, e as visitas eram permitidas. Ele era uma pessoa simples e acessível. Quando eu era bem pequena, fui com minha família, mas acho que eu era tão pequena que não me lembro. Quando ele foi embora, o terreno onde ele morava foi loteado e algumas casas de luxo foram construídas por lá. Não sei como se encontram, ou quem mora nelas hoje em dia; mas ficou o Morro do Flávio. Adolescente, fazíamos excursões para o morro. Chegávamos lá em cima e tínhamos diante dos olhos a vista do nosso bairro e cidade, cercada de montanhas azuis.
Certa vez, na ocasião da passagem do Cometa de Halley, meu então namorado, eu e algumas pessoas organizamos uma subida ao Morro do Flávio à noite para ver o cometa passar. Estava muito frio. Subimos tudo no escuro, à luz de nossas lanternas e com muita neblina. Chegando lá, nós no sentamos cobertos por um enorme plástico preto para evitar de ficarmos molhados pela neblina gelada, e aguardamos. Mas tudo o que vimos, foi a neblina. Após algumas horas, descemos o morro, frustrados e quase congelados.
Eu também subi algumas vezes o Morro do castelinho, no Bairro Morin. A subida era cansativa, mas valia a pena, pois a trilha era linda, cercada de árvores e pequenos riachos. Lá em cima, podíamos ver a Bahia de Guanabara. Venta muito por lá, e o tempo todo, e por isso, nos agasalhávamos bem. Certa vez, cismei em calçar um par de tênis novos para fazer a subida. Cheguei lá com os pés cheios de bolhas, mas para não dar o braço a torcer, aguentei tudo calada. Dizem que hoje é perigoso subir o castelinho, e que há muito lixo nas trilhas. Infelizmente, nada fica para sempre. Parece que aonde quer que o ser humano chegue, em breve só resta destruição.
(continua...)
http://anabailunecontos.blogspot.com
Foto: O ipê próximo à Praça da Liberdade- por Ana Bailune
Cresci na Petrópolis das baixas temperaturas. No inverno, às vezes elas atingiam quase zero. A cidade era bem mais úmida, o que favorecia o crescimento das hortênsias que pintavam as ruas de vários tons de azul. Minha avó paterna morava em um bairro chamado Duchas. A casa dela ficava no topo de uma ladeira, de frente para a rua, e havia na lateral da casa um morro coberto de Marias-sem-vergonha brancas. Estas flores também são conhecidas como Impacient (já ouvi um jardineiro dizendo “impachent”). Eram muito comuns em Petrópolis, especialmente na subida da Serra, onde proliferavam na beira das estradas em cores que variavam entre branco, laranja, vermelho, rosa-claro, lilás, roxo, rosa-choque e vinho. Com a mudança do clima, hoje são bem mais raras. Crianças, brincávamos de ‘pintar as unhas’: passávamos água nas unhas e colávamos as pétalas sobre elas. Durava pouco, mas era divertido... havia muitas moitas destas flores lá em casa, e minha mãe era uma defensora feroz delas. Quando meu pai capinava o terreno, ela ia olhar toda hora para ver se ele não as estava arrancando. Minha mãe gostava de olhar da rua para a casa e ver as flores espalhadas pelo caminho.
Mais tarde, as hortênsias foram sendo substituídas por lírios amarelos. Os canteiros da cidade passaram a apresentar estas flores. As hortênsias sumiram, praticamente desapareceram, e a alcunha de Cidade das Hortênsias deixou de ter sentido. Hoje eu as tenho em meu jardim, e adoro abrir a janela de manhã e deparar com elas, plantadas junto ao muro.
Na época da quaresma – e isto acontece até hoje, graças a Deus – Petrópolis cobria-se de amarelo e roxo. As quaresmeiras e manacás-da-serra em flor são uma coisa linda de se ver! A gente olha para as florestas e, entre as muitas espécies de árvores, vemos aquelas manchas coloridas de flores. Em setembro, são os ipês... rosas, amarelos e roxos. Árvores enormes - ou bem pequenas ainda, como as que foram plantadas no centro histórico - proporcionam um espetáculo inesquecível que dura apenas uma semana. Próximo à Praça da Liberdade existe um ipê famoso. Fica no jardim de um prédio, bem na entrada, e a floração é tão abundante e magnífica, que todo mundo para a fim de fotografar e admirar. Eu mesma tenho várias fotos dele.
Cresci entre as hortênsias, Impacients, quaresmeiras, manacás-da-serra, lírios amarelos e Ipês. Quando comecei a trabalhar, acordava nas manhãs geladas de inverno, bem cedo, tomava banho e me vestia para ir ao trabalho, e enquanto caminhava eu via a minha respiração e as das outras pessoas acumulando-se diante dos nossos rostos feito nuvens brancas.
A luz da manhã é sempre linda no inverno. Adoro ver quando ela começa a dissolver a névoa ainda sonolenta que descansa sobre as montanhas e ruas! Aos poucos, o dia branco transforma-se em um dia de céu azul límpido como não existe em nenhum outro lugar do país. O céu de Petrópolis é o céu mais azul que eu já vi; quando ele cisma de ser azul, nada o supera. É tão bom sentar-se ao sol de inverno e sentir como ele aquece sem esquentar demais, sem invadir ou incomodar! Sentir o vento frio deixando o rosto rosado é delicioso, e a pele esticada parece até ficar mais jovem. Eu amo o frio e o inverno, e lamento profundamente que o clima tenha mudado tanto nos últimos anos.
Quando criança, eu podia brincar com várias espécies de besouros coloridos, alguns nacarados, e outros, listrados, que comiam as folhas dos bambuzais, e com as joaninhas coloridas que se alimentavam das vassourinhas (arbusto baixo que antigamente era amarrado em feixes e usado para varrer). Havia também muitas espécies de lagartas vermelhas, cor-de-laranja, verdes e pretas. Dizem que elas queimam muito, mas felizmente, nunca toquei em uma delas. Também havia aquelas de pele muita fria e lisa, verdes, amarelas, listradas, azuladas, algumas muito grandes, que eu deixava passear sobre os meus braços. Havia muitas espécies de insetos que já não se vê mais por aqui.
E os vaga-lumes... eram tantos, que pareciam estrelas descansando sobre o capim e as árvores. Eu gostava de pegá-los e coloca-los dentro de um vidro. Amava vê-los acender e apagar. Mas sempre os soltava logo depois. As noites Petropolitanas eram cheias dessas criaturinhas, piscando e piscando, em luzes azuladas, amareladas, verdes e brancas. Hoje em dia, dificilmente eu vejo algum. Às vezes eles aparecem por aqui no verão, e eu os vejo na mata em frente à casa. Raramente um deles aventura-se pelo jardim. E as joaninhas e besouros também são bem mais raros...
Eu morava no bairro Caxambu, rua Flávio Cavalcante. A rua tinha este nome em homenagem a um grande apresentador de TV daqueles tempos. Ele era nosso vizinho. Muitas vezes, quando brincávamos na rua, ele passava em seu carrão com motorista, e acenava para nós, crianças, que precisávamos interromper o nosso jogo de bola toda vez que passava um carro. As pessoas gostavam de fazer turismo na chácara de Flávio Cavalcante, e as visitas eram permitidas. Ele era uma pessoa simples e acessível. Quando eu era bem pequena, fui com minha família, mas acho que eu era tão pequena que não me lembro. Quando ele foi embora, o terreno onde ele morava foi loteado e algumas casas de luxo foram construídas por lá. Não sei como se encontram, ou quem mora nelas hoje em dia; mas ficou o Morro do Flávio. Adolescente, fazíamos excursões para o morro. Chegávamos lá em cima e tínhamos diante dos olhos a vista do nosso bairro e cidade, cercada de montanhas azuis.
Certa vez, na ocasião da passagem do Cometa de Halley, meu então namorado, eu e algumas pessoas organizamos uma subida ao Morro do Flávio à noite para ver o cometa passar. Estava muito frio. Subimos tudo no escuro, à luz de nossas lanternas e com muita neblina. Chegando lá, nós no sentamos cobertos por um enorme plástico preto para evitar de ficarmos molhados pela neblina gelada, e aguardamos. Mas tudo o que vimos, foi a neblina. Após algumas horas, descemos o morro, frustrados e quase congelados.
Eu também subi algumas vezes o Morro do castelinho, no Bairro Morin. A subida era cansativa, mas valia a pena, pois a trilha era linda, cercada de árvores e pequenos riachos. Lá em cima, podíamos ver a Bahia de Guanabara. Venta muito por lá, e o tempo todo, e por isso, nos agasalhávamos bem. Certa vez, cismei em calçar um par de tênis novos para fazer a subida. Cheguei lá com os pés cheios de bolhas, mas para não dar o braço a torcer, aguentei tudo calada. Dizem que hoje é perigoso subir o castelinho, e que há muito lixo nas trilhas. Infelizmente, nada fica para sempre. Parece que aonde quer que o ser humano chegue, em breve só resta destruição.
(continua...)