Fazer o Bem
Eu sempre achei, e continuo imaginando em todos os momentos, que somos criaturas que estamos neste mundo para progredir material e espiritualmente. Sempre olhando para o nosso lado. Pois sempre tem alguém precisando de nossa mão amiga.
Em todos os dias podemos ajudar alguém. Nos nossos trabalhos sempre encontraremos a oportunidade para fazer o bem.
Apenas para ilustrar essas palavras direi com toda a humildade que quando eu trabalhava como maquinista, na Cia Mogiana de Estradas de Ferro, fui um funcionário sempre exemplar, cumprindo sempre as ordens de serviço. Normalmente, nas locomotivas, sejam de trens de carga ou de passageiros, só podem estar o maquinista e o seu ajudante. Os demais como feitores de turma, mestres de linha, e engenheiros devem portar um telegrama ou outro documento que os autorizem a viajar na locomotiva. E a maioria dos maquinistas que eu conhecia levava esta ordem ao extremo.
Quando eu era ajudante de maquinista, vi, muitas vezes, maquinistas recusarem-se a fazer um favor com o trem de passageiros, mesmo para empregados da ferrovia. Às vezes um favor seria parar o trem por 30 segundos para descer perto de um hospital ou maternidade. Esses empregados de ferrovias moravam em lugares longe de cidades, mesmo pequenas. Onde não havia parada de trens de passageiros. Suas famílias ficavam a mercê de alguma ajuda para poderem chegar a uma assistência médica.
Depois de acompanhar essas situações muitas vezes, eu fiz um juramento íntimo que se chegasse a ser maquinista, dentro de minhas possibilidades, eu sempre ajudaria aos que me pedissem alguma coisa.
Realmente eu fui a maquinista. Muito zeloso com o meu serviço, cheguei ao posto mais alto da carreira. Era muito cuidadoso com a condução dos trens. Várias vezes fui escolhido para conduzir trens de inspeção, que conduziam toda a diretoria da ferrovia. Inclusive conduzi o Governador do Estado de São Paulo, na época o Sr. Paulo Salim Maluf. Mas sempre com humildade, me orgulhando de ver meu trabalho reconhecido.
Para fazer um favor eu não tinha receio de ser punido. Eu sempre seguia o que mandava a minha consciência. Pude auxiliar as pessoas em várias oportunidades, e nunca recebi uma advertência de meus superiores.
Para ilustrar esta crônica vou citar uma passagem ocorrida durante uma viagem com um trem de carga, quando eu retornava para Campinas. Parti de Ribeirão Preto às 2:00 horas de uma manhã muito fria. Ao chegar numa estação, que ficava longe de qualquer recurso médico, o telegrafista me deu ordem para parar o trem e me disse:
“Maquinista, eu tenho ali na sala de espera uma senhora que está aqui há várias horas. Ela, segundo o seu marido, está num estágio de gravidez bem adiantado. Já está sentindo as contrações, o que é bem natural nesses casos..”. E o telegrafista ainda disse: “Eu já pedi a três maquinistas que passaram. Todos se recusaram a leva-la na máquina..”
Eu disse ao telegrafista: “Traga a mulher e o marido que nós daremos um jeito..”. Acomodamos a mulher no banco do ajudante e o marido sentou-se sobre uma caixa de ferramentas que todas as locomotivas carregam.
Ai eu percebi que a mulher parecia estar sentindo frio. Tirei meu casaco de couro forrado de flanela e cobri a mulher, e ainda lhe sussurrei ao ouvido: “.. Dona, aguente a mão até São Simão, que a ambulância estará lá te esperando..”.
Mais 30 minutos chegamos a São Simão. A ambulância veio até a locomotiva e os atendentes com uma maca, levaram a mulher para o hospital. Quando fui tirar o casaco de cima da mulher, ela me olhou com muito carinho e disse: “...O Senhor foi o anjo que veio atender às minhas preces. Muito obrigada..”
Então, pegando na sua mão eu lhe falei: “... Eu sou um humilde maquinista. E antes de ser maquinista eu sou um ser humano que acredita em que fazer o bem nos deixa muito feliz.”.
Combinei com o chefe da estação para não dar a parada lá e dizer para o pessoal da ambulância que a mulher grávida estava na estação e que o senhor providenciou o socorro. E ainda lhe disse: “.. Eu não tenho receio de ser punido pela minha atitude, mas sei que o senhor poderá ser incomodado pelos fiscais da ferrovia..”.
Ele falou: “.. pode ir tranquilo que estes 5 minutos aqui não irão constar no meu relatório do dia..”.
E assim, voltei com o meu trem até a Replan (estação próxima à refinaria de Paulínia, da Petrobras) sem mais ocorrências. Mas com o coração feliz pelo acontecimento.
O telegrafista da estação onde eu apanhei a mulher e o chefe da estação onde ela ficou eram pessoas de mais de 50 anos. Como isto aconteceu há cerca de 40 anos e eles e eu guardamos segredo do acontecido, eles devem estar numa dimensão muito boa, onde eu um dia pretendo estar, também.