Homo sapiens, a saga continua
Em todas as regiões do planeta, o bípede que há milhares de anos adotou a postura ereta, passou a fazer uso do polegar opositor, se autointitula inteligente e foi alçado em posição de superioridade no reino animal prossegue em sua incansável busca pelo domínio do planeta. Com o desenvolvimento pleno do gênero humanoide aos níveis da atualidade, se convencionou denominar de “aculturados” aqueles seres ditos “civilizados”, cujas características principais consistem em formar e viver em comunidade, onde os padrões culturais e os interesses mútuos predominam. Porém, a ambição desmedida daquele que herdou o intelecto desenvolvido parece não ter limites nem escrúpulos, e a saga do mais letal e pernicioso ser que já habitou a terra, prossegue. Detentor do livre arbítrio, instituição que designa os que têm a capacidade de conduzir seu próprio destino, o ente terráqueo dotado de impressões mentais e sensações psíquicas vive em constante atribulação, como a provar a si mesmo sua infinita capacidade em improvisar, dominar e impor suas vontades, comportamento este transmitido aos seus descendentes através das gerações.
Esse prólogo poderia ser considerado como uma materialização ideológica de nosso destino. Porém, é apenas o reflexo dos equívocos cometidos ao longo dos tempos pelos seres humanos, com resultados altamente catastróficos. O mais preocupante é que não aprendemos o suficiente com nossos próprios erros. A recorrência dos fatos é uma evidência de que estamos longe de algo considerado como suportável. Recentemente a humanidade atingiu uma marca histórica, chegando a sete bilhões de habitantes no planeta. É um número impressionante, considerando as dificuldades vividas pela espécie humana desde os tempos do homem das cavernas. A evolução da nossa espécie superou todas as expectativas e o homo sapiens (homem sábio, em latim) sobrevive e se prolifera de maneira impressionante, com uma insuperável capacidade de adaptação ao meio em que vive. Essa condição o levou a atingir níveis de ocupação territorial sem precedentes, viabilizando sua permanência em ambientes inóspitos e inacessíveis.
Porém, toda essa capacidade em inovar e evoluir tem seu preço. O meio ambiente sofre as maiores consequências, com perdas irreparáveis. A extinção de incontáveis espécies da fauna e da flora por conta da ação humana é uma realidade irreversível. O poder de destruição do mais terrível primata existente é proporcional à sua inteligência, que não encontra obstáculos suficientes para conter sua fúria avassaladora. A ambição e a cobiça norteiam sua existência, relegando a mãe natureza à condição de simples coadjuvante nessa caminhada em busca de poder. Esse comportamento de aniquilamento e destruição das barreiras que se interpõem em seu caminho o transforma em algoz de seu próprio destino. Além disso, a demanda acentuada por mais recursos naturais será um fator de extrema preocupação para as gerações vindouras. Apesar dos avanços tecnológicos na produção de alimentos, a desnutrição atinge uma camada expressiva da população mundial. A distribuição de renda continua injusta e desproporcional, acentuando ainda mais a miséria entre os países menos desenvolvidos.
As reservas naturais são finitas, portanto, sujeitas a serem exauridas ao longo do tempo. A matriz energética mundial de origem fóssil tende a se esgotar em algumas décadas. A produção de energia renovável requer investimentos substanciais e tecnologia de ponta, além de ocupar áreas cultiváveis na produção de alimentos. Com o crescente aumento da população, as necessidades serão proporcionalmente multiplicadas, tornando a vida no planeta um desafio para as futuras gerações. Os sinais dessa pressão exercida pelo ser humano sobre a natureza já são visíveis em todos os continentes, como a diminuição da camada de ozônio, o advento do aquecimento global, o aumento das catástrofes naturais e as alterações repentinas no clima. Esses eventos se tornarão a cada dia mais frequentes, como a nos mostrar a superioridade sábia da natureza e a insignificância de um ser que ousou modificar e destruir o lar de uma infinidade de criaturas tão distintas.
Está em nossas mãos a preservação desse planeta azul, uma dádiva divina entre os milhões de corpos celestes que vagueiam na imensidão do espaço sideral. É hora de repensar nossas atitudes, por mais elementares que sejam. Talvez assim, quiçá algum dia possamos realmente fazer jus à condição de animal inteligente. Até lá, seremos apenas homo sapiens e “mulheres sapiens”, segundo nossa excêntrica, distinta, letrada, erudita e transitória governanta-mor.