D E S E N C O N T R O

Foi um dos meus melhores amigos. Um boêmio, mas daqueles que sabiam dosar a boemia com as obrigações. Além da boemia ~era meio mulherengo e teve várias paixões, dessas tipo fogo de palha, até que resolveu baixar o fogo, já estava meio coroa, então casou e desse relacionamento teve dois filhos, mas não foi um casamento por amor, talvez mais por necessidade de dar um paradeiro na boemia. O problema desse cara é que tivera um só grande amor e esse não dera certo. Certa vez ele me disse: "Olha, bicho, na vida a gente só tem um grande amor, os outros são apenas quebra-galhos". Quando nos encontravámos nessa fase pé no chão dele, sempre na sua casa, ele já estava doente, ficávamosnum quartinho da casa onde ele improvisara uma "toca", local que colocara seus "guardados", fotos, livros, cartas e, claro, seus queridos discos.

Nesses momentos, contrariando determinações médicas, ele tomava inúmeras doses de uísque caubói (dizia que era crime colocar gelo em cachorro engarrafado), sempre botava na radiola um disco bolachão do Chico Buarque numa determinada música, era a música da sua roedeira, ouvia-a uma, duas, três ene vezes, não sei como o disco não furava, a mesma faica. E ele desabafando inspirando na música, dizia do seu desencontro com seu grande amor, e ia desfiando seu drama, dizendo que a lembrança dela lhe doía tanto, tanto, demais, que procurara espantar a a dor com a bebida. Mas não conseguiu. A saudade era abissal. Que às vezes chegou a cometerr versos de pé quebrado, falando nela, sempre nela, commo se a estivesse vendo. Que só sobrara desse desenconro, essa canção triste, um retrato esmaecido em preto e branco. Que saldo restara desse seu grande amor? Reteia a música, só saudades fúteios, saudades frágeis, meros papéis (se referia as cartas que guardava). Ia mais longe queestionando e perguntando a si próprio, acho que se esquecia de mim, indagava quase chorando: "Será que ela ainda é a mesma? Será que cortou os cabelos? Será, meu Deus, que sofre como eu sofro? Ou será que arrumou um novo amor e me esqueceu?". E cantava depois de parar a radiola: "A sua lembrança me dói tanto? eu canto pra ver! se espanto esse mal...". E chorava paca.

Nunca se conformou com o desencontro. Conheci seu grande amor, era uma moça bonita, mas não era essas belezas todas, mas para ele era a sua rainha, sua musa, seu grande amor. E tudo resultou num desencotro. Vida que segue. Era um cara muito solidário, merecia ter sido feliz no amor..

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 04/07/2015
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