UM OLHAR PELA JANELA
Eu vi um menino preto,
Um negrinho sujo e descamisado
Furtando salsichas no mercado.
Também vi um menino branco,
Um branquinho com sorriso de janela,
pedindo para guardar meu carro,
não queria dinheiro um biscoito bastava.
Vi que logo ali, nas quadras adiante
Começava o complexo de favelas
Onde o senhor vereador tem seus votos garantidos.
Vi que mais adiante, passando primeiro pelo túnel,
Tinha a praia de bela enseada e coqueiros sortidos de tamanho; Emoldurando o oceano atlântico.
Vi também, os condomínios e as diaristas,
Vi, os jardineiros quase todos pretos, sorrindo de tesoura em mão.
Vi o cachimbo e as pedras, logo que passei pelo túnel.
Tinha brancos e pretos todos faceiros loucos desmedidos de feiura e sordidez,
Vi uma mulher que já fora bela e que agora nua,
Andava, louca vestida de nada e no nada viajava gargalhando loucura. Adiante tinha uma portaria e outra portaria e cancelas e outras cancelas.
Carros, luzes, marcas, símbolos, cadencias e malemolências.
Vi pássaros e belezas.
Vi a distinção, nenhuma gratidão,
nenhum perdão, nenhuma comiseração.
Vi um louco me chamando de pai,
logo eu que só tenho filhas,
ganhei um filho, sujo barbado, fétido, desnudo.
Me livrei dele com o olhar bem treinado que adquiri vivendo entre loucos.
Vi um menino sorrindo que me fez sinal de positivo de dentro de seu carro importado.
Vi sofás na praça, vi papelão na marquise.
E parece-me que era gente que ali dormia.
Passei por um menino que me apontou o dedo como quem aponta uma arma,
Mas que não se atreveu em sustentar o olhar que lhe dei,
Pois meu olhar foi treinado para a compaixão,
Mesmo quando defrontei leão,
Meu olhar sempre foi de compaixão.
Vaidade?
Não! vaidade não fraternidade.
Fui bem treinado em ser gente.