O PICADINHO

Eu tenho um amigo que é asmático crônico, já tentou de tudo para minorar seu sofrimento, mas só o que alivia suas crises é a bombinha. Quando não está atacado pela doença ele gosta de contar causos de sua infância e adolescência, alguns hilários outros tristes, mas todos verídicos. O último foi o do picadinho. Vou tentar contá-lo de memória.

O fato aconteceu no gabinete dentário do seu pai que ra dentista prático em Arcoverde. Esse gabionete funcionava na sala da frente da casa. Seu pai estava, certo dia, esterilzando a seringa para aplicar uma innjeção subcutânea de soro Heckel ou Elebecê no fillho que estava com uma crise asmática, naquele tempo não existia a bombinha, era o começo dos anos sessenta. Nisso adentrou no gabinete um cara que era conhecido como um maiores cornos da cidade. Ele sentou-se no divã de madeira Gerdau e foi logo abrindo o jogo: "Major (era o apelido do dentista prático), o senhor sabe da admiração que tenho por sua pessoa. Por isso só ao senhor eu tenho coragem de contar algo que é muito grave e que está acontecendo comigo. E lhe pedir um conselho. Olhe, minha mulher está me traindo. E não é coisa recente. Recente foi eu descobrir. Fiquei desesperado porque amo aquela mulher. Sem ela não vivo, acho que nem respiro. Mas se for necessário deixo e me mudo da cidade. Mas só se o senhor me aconselhar a isso".

O major retirou a seringa do estojo onde estava esquentando, apagou o foguinho azul de álcool, colocou a seringa em cima da tampa do estojo, pegou a ampola da injeção e antes de quebrá-la para rertirar o conteúdo para colocar na seringa, pergintou ao corno: "Você gosta mesmo da sua mulher e não pode viver sem ela, mesmo sabendo que ela está lhe traindo com outros?".

Pela brecha da poerta do quartinho que ficava anexo ao gabinete, o meu amigo via a cena, e notou que o pai fizera a pergunta a sério e sem nehum deboche, até parecia um padre indagando de um pecado a alguém num confessionário. O cara respondeu: "Gosto major, mas há a opinião pública, o senhor sabe... Agora, Major, como dona de casa ela é um primor. Faz um PICADINHO - e pegou na pontinha da orelha para dizer da excelência dessa iguaria - que é daqui. O senhor precisa provar dele. E, Major, o cuidado que ela tem com a minha roupa! Veja - pegou na manga da camisa -, a goma que ela bota não arranha, e a camisa fica como nova. E o cuidado com a casa?!!!! A minha casa é um brinco, toda limpa e bem organizada. E as crianças? Todas bem cuidadas. É mesmo uma excelente dona de casa, se não fosse esses rompantes... Sabe, Major, eu até acho que é catimbó". E ficou ali louvando as qualidades da mulher, e eo meu amigo doido que ele fosse embora paa o pai lhe aplicar a injeção, o cansaço estava aumentando com a latomia do corno.

O Major ficou pensando, colocou a ampola em cima da mesinha do gabinete, e ficou olhando para o alto rodando o polegar em redor do olho direito, era assim que gostava de pensar. De repente perguntou ao cara: "Você gosta tanto dessa mulher que é capaz de suportar o gracejo das pessoas?". O sujeito nem pestanejou: "Se o senhor me aconselhar eu não deixo a minha mulher nunca, o que posso fazer é tantar ir num pai de santopara ver se ele desmancha o danado do catimbó que fizeram para ela". Então o Major deu o conelho que ele queria ouvir: "Então, rapaz, aguente as consequências e viva feliz com a sua mulher, mas não fça fé em pai de santo e nem culpe o catimbó. O problema é que sua mulher tem esse vício triste e não pode largar ele. Vá siga a sua vida e anão ligue para a opinião pública".

O cara se levantou feliz, até parecia ter acertado uma milhar cheia ou tirado a sorte grande na loteria. Disse: "Muito obrigado, Major, vou seguir seu conselho à risca".

O Major então chamou o meu amigo para lhe aplicar a injeção, pegou um pedaço de algodão e passou no braço dele, mas antes de dar a espetada, o filho lhe perguntou arfando de cansaço: "Mss pai, como é que o senhor aconselha esse pobre corno a continuar sendo traído pela mulher?". O pai, antes de responder,aplicou a injeção e o meu amigo notou que ele usara mais força que de costume, doeu paca, e respondeu em tom de censura: "Você é muito novo e radical, ainda anão aprendeu nada da vida prática. Esse cara não veio aqui pedir o meu conselho. Ele veio pedir que eu o ajudasse a permanecer com a mulher. Ele prefere ser traído a deixá-la. Você anão compreende essas coisas, pra você é tudo branco ou preto. A vida anão é assim, meu filho. Ele vai ficar satisfeito e quem o censurar ele simplesmente transfere a culpa para mim, diz que só está aguentando a sina por conselho do Major. Que perco com isso? E se tivesse dito o contrário, e o pobre endoidecesse e tomasse, quem sabe, veneno? Ele é capaz disso se perder a mulher. Mas vá se deitar que você está tremendo muito, a reação dessa injeção faz isso. Vá dormir e deixe a vida dos outros.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 02/07/2015
Código do texto: T5296866
Classificação de conteúdo: seguro