Nome é coisa séria

Sabemos da importância do nome na vida das pessoas. Um nome expressivo, de preferência com quatro ou mais sobrenomes, coloca o seu possuidor numa posição de destaque, sobretudo quando se trata de relações sociais , nome e sobrenomes pomposos dão um certo charme. Meu nome é Soleno. Não é um nome comum, não é? Aliás, esse nome está ortograficamente errado, o nome correto é Sileno. Sileno era uma figura lendária grega; vivia nos bosques , bebendo e cantando, com um sarcasmo de causar inveja a políticos brasileiros, colocando os políticos brasileiros no reino da inocência. Foi assim que o grande filósofo alemão Nietzsche o descreveu em uma de suas obras. Quando eu nasci, uma prima minha, estudava filosofia e sugeriu aos meus pais que colocasse esse nome em mim: Sileno. E eu fui batizado com o nome , Sileno, só que no cartório houve um equívoco, e eu fui registrado com o nome: Soleno.

Eu não aceitava o fato de ter nascido no Brasil. Um país medíocre, nada sério, uma verdadeira confusão de valores. E quando alguém me perguntava o motivo do meu nome, eu ficava inventando histórias engraçadas. Uma delas era assim: Estávamos vivendo um período ditatorial. Muitos criticavam aquela situação, dizendo ser um absurdo ,aceitarmos um regime tão diferente dos preceitos democráticos, e que agredia a dignidade humana. Outros defendiam aquele sistema; havia até uma frase: Brasil, Ame-o ou deixei-o. Eu, revoltado, ficava perguntando-me , por que uma pessoa sensível vem parar em um lugar como este ?Violento,grotesco,pobre,ignorante; e falava-se muito, que havia, em vários lugares brasileiros , guerrilhas sanguinárias ;revoltas por questões humanitárias; e também uma certa quantidade de torturadores e assassinos. Eu queria ter nascido em uma nação organizada, rica, democrática,por exemplo, a Inglaterra. Meu pai teria recebido ensinamentos espíritas, e dizia para mim, que eu estava resgatando um carma, ou seja : pecados cometidos em vidas passadas. Mas ele tentava me consolar , afirmava que mesmo que eu achasse , Brasil, um lugar horrível, imundo; a filosofia védica explicava ess razão, e ela nunca errava;ele flava calmamente e também filosofava: é na lama que a flor de lótus surge , e é a mais cheirosa e bela das flores. E que eu ia evoluir intelectualmente, moralmente e espiritualmente. Mesmo assim, eu não me conformava e pensava em mudar de nome ou corrigi-lo. E tive uma ideia Eu achava que se eu tivesse um nome estrangeiro , eu também poderia me tornar um estrangeiro. Nessa época, John Lennon estava fazendo muito sucesso ,e gostei da sua figura e da suas ideias. Meu pai, a princípio, achou estranho ter um nome daquele, mas com o tempo, eu o convenci.

E fomos ao cartório; éramos quatro, e eu fui o segundo a ser registrado. Atrás de um birô antigo, um rapaz bem jovem fazia as anotações. Quando eu disse meu nome, o rapaz riu e chamou o dono do cartório. O homem ficou furioso, disse que o meu pai poderia ser preso por aquela atitude. O homem falava com se discursasse; dizia que seria um desrespeito ao país ,completava, dizendo, que estávamos no Brasil, e deveríamos amar esta nação. Meu pai disse para o homem que o nome fora escolhido por mim, e que eu não gostava nem um pouco do Brasil. E que eu achava o Brasil um país não muito conveniente para uma pessoa nascer. Uma lástima de país. O homem disse, com jeito calmo: o garoto é um inocente ,o senhor é que vai responder por esse insulto ao nosso país, um insulto ao Brasil. Meu pai disse: por falar em Brasil, vamos falar a linguagem do Brasil. O homem disse: como assim? Meu pai fez sinal com os dedos insinuando que se tratava de dinheiro. O homem disse: Ah, sim! - como se estivesse lembrado algo íntimo a ele. Meu pai chamou-o a um canto, e eu os segui. Meu pai puxou do bolso, um pedaço de papel onde estava escrito o meu nome, e , junto , veio também um pacote de dinheiro ,enrolado com uma borrachinha. Quando o homem viu o dinheiro do meu pai :babou; olhou para mim, com jeito dengoso e disse: é , até que o bichinho tem uma carinha de inglês. Olhou novamente para o meu pai ,com jeito humilde, e disse: é que não pode meu senhor. E de repente o homem teve uma ideia, e disse: que tal Lennon, é podemos aportuguesá-lo- falou com jeito contente. Meu pai disse: é, já que não pode o nome todo, tá bom assim - e passou o dinheiro para o homem do cartório. O homem pegou o dinheiro, estufou o peito, e falou para o rapaz que escrevia: Oh, o nome do menino é Lennon. Repetiu com a voz mais alta e mais forte: só Lennon. O rapaz colocou ,Soleno. No momento ninguém percebeu, só depois, mas aí, não procuraram corrigi-lo. E meu nome ficou ,Soleno .Essa era uma das explicações que eu dava às pessoas que estranhavam esse nome. Pois é, nome é coisa séria , neste país ,então.

Soleno Rodrigues
Enviado por Soleno Rodrigues em 16/06/2007
Reeditado em 17/10/2019
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