Tirando uma selfie no velório do Cristiano Ronaldo
Já tinha se passado um dia e eu não conseguia entender o porquê de tamanha repercussão na mídia da morte do cantor Cristiano Araújo. O Jornal do almoço daqui de Goiânia ( sim, leitor, moro nesta cidade e é opressor viver nela não gostando de sertanejo universitário ) dedicou o programa inteiro à cobertura do acontecido. Nesse mesmo momento, olhei pela janela da cozinha e vi aquela imensa fila de carros acompanhando o caixão rumo ao cemitério. Bem, talvez ele fosse mais famoso do que eu imaginava, pensei.
Isso até me fez recordar a morte do cantor Leandro, da dupla Leandro e Leonardo. Eu era criança, mas me lembro que foi uma comoção nacional. Porém a dupla era amada em todo o país e, se tratando de Goiânia, havia uma grande identificação entre a cidade e eles. Estes, representavam, por assim dizer, um “orgulho nacional” dos goianos. Mas esse tal de Cristiano Araújo... Não conseguia ver nada de especial nele. Pra mim, ele não passava de mais um desses novos cantores sertanejos que surgem a cada seis meses com alguma música de sucesso, nada de muito original. Resolvi então ponderar minhas ideias, quem sabe essa impressão não passasse de ignorância e repugnância em relação a um gênero musical.
Ignorãça das ignorãças!!! Ao procurar coisa melhor para assistir enquanto almoçava, vi que até na Globonews só passava o bendito do cantorzinho. Realmente, eu não passava mesmo de um mal informado.
Ainda bem que existe a Internet. Navegando por aí, trupico na gafe a Fátima Bernardes cometeu em seu programa matinal. Ao invés de noticiar a morte da famosíssimo cantor Cristiano Araújo, ela acabou por matar o desconhecido jogador do Real Madrid Cristiano Ronaldo. Foi aí que o castelo de areia ruiu e eu consegui minha redenção.
A fama do cantor sertanejo de fato nunca justificou a comoção de sua morte. As pessoa (em sua maioria) se utilizaram dela como forma de entretenimento e de se aproximar do universo da fama. Não fosse por isso, teriam ao menos esperado o corpo esfriar para tirarem suas selfies ao lado do defunto. Foi assim no velório, com toda aquela gente com celular na mão; foi assim no cortejo rumo ao sepulcro, com muitos correndo entusiasmados para acompanhar; e foi assim na preparação para a cerimônia, com a funcionária da funerária se filmando sorridente ao lado do corpo costurado.
Não existem mais escrúpulos para o entretenimento. A morte hoje deixou de ser um momento para a reflexão existencial. O que os canais de televisão fazem é o mesmo que um traficante faz aos viciados da Cracolândia: oferecem o entorpecente. Muitos zumbis da região da Luz ao menos têm consciência de sua decadência.