VELHO E BOM ANTÔNIO
A humanidade tem me assustado.
Lembro-me de ter ouvido muitas vezes meu pai dizendo que o mundo estava ficando de cabeça pra baixo. Eu, criança ainda, tentava entender o motivo daquelas palavras. Demorei para compreendê-las. Temo esta visão do mundo com as pernas para cima. Se o velho Antônio ainda estivesse por aqui, certamente, pediria para ir-se logo. Não suportaria este estado de coisas.
Um homem letrado era ele, autodidata. Sabia das coisas do mundo, lia o que lhe caía nas mãos e falava com propriedade.
Quantas histórias me contou! Encantava-se com a literatura, com música boa, e viajava ao longe ouvindo a legítima música flamenca. Chamava-me para perto dele naqueles momentos e dizia: sente-se aí, perceba a garganta deste cantor.
Explicava-me o significado de algumas palavras espanholas, que me fugiam à compreensão da poesia cantada.
Foi meu primeiro professor, quem me ensinou a enxergar o mundo com outros olhos.
Deu-nos lições de caridade, de amor ao próximo, de seriedade perante os compromissos. Jamais tolerou mentira, desonestidade e desrespeito pelo outro.
Penso em como ele estaria triste no mundo atual e concluo que não resistiria mesmo. Seu Antônio, matutando aqui, foi melhor o senhor ter partido. Chorei muito naquele dia e em vários outros, depois da partida. Não me conformava com o fato de não poder mais ver seu largo sorriso me recebendo em casa, de não mais sentir o cheiro do seu cigarrão de palha (até disso eu gostava).
Fiquei com seus discos flamencos e sinto um soco na boca do estômago, quando ouço o repicar das castanholas. O sangue agita-se em mim. Estamos longe um dou outro há um bocado de tempo, porém fiquei com tudo de bom que me deu.
Sim, pai, o mundo está de cabeça pra baixo. Está carente de respeito e amor ao próximo; carente de caridade em palavras e atos.
"Caridade! Sublime palavra que sintetiza todas as virtudes. És tu que hás de conduzir os povos à felicidade".
A Bênção, meu pai!
Dalva Molina Mansano