Nossas rodas em movimento!
Ele vivia praticamente na varanda do apartamento cuja proteção, uma grade de ferro pintada de branco lhe permitia ver toda a movimentação da larga rua e a praça em frente, sendo naquela cadeira de rodas ganhou um binóculos por onde aproximava a imagem do gatinho escondido entre folhagens, à espera do inocente pardal que ali seria condenado a morte. Via tudo na praça, parecendo estar perto o que lhe dava emoção. E ia e vinha naquele espaço com as rodas em movimento, buscando a melhor posição para enxergar.
Um dia flagrou um casal que além dos beijos ia um pouco além, não seria falso em dizer que não ficou excitado lembrando do tempo em que caminhava e aventurava esse algo mais, até dentro de um ônibus, acabou por dizer! Viu também a velhinha sendo assaltada em uma manhã e atirar no ladrão na manhã seguinte. Era testemunha ocular, mesmo que a certa distância, do dia a dia de toda a cidade, configurada naquele trecho de praças e pedaços de rua dentro do alcance das vistas do homem dos binóculos.
Levantava cedo junto com o sol, e se maravilhava a cada dia com a natureza capaz de renovar-se a cada arrebol. Apreciava os pingos de chuvas, que quando apareciam fazia-lhe recuar sua cadeira de rodas, e o seu mundo ficava um metro mais distante nos dias nublados. O gato, que dizem não gostar de água ficava em jejum. A velha não aparecia e o revolver do assaltante enferrujava, e as pessoas apressadas com guarda-chuva, capas e até jornais lidos protegiam-se da água caída do céu, que o sertanejo como vinho da melhor safra e que do morador da grande cidade chama de “chuva chata”.
Ele sentado percorre todo o ambiente externo, compreende vivazmente tudo que acontece ao redor, até as missas de domingo que pela manhã acontecem na matriz erguida ao extremo da praça, ou ainda o culto evangélico em que as aleluias o saúdam anonimamente vindas da roda de crentes formada ao centro da praça, próximo ao coreto onde a banda toca marchinhas ao extremo da tarde, e onde os políticos detonam mentiras e soltam foguetes em época de eleição.
E ao chegar cada noite o anônimo vigilante da vida faz rodar sua cadeira, segue em direção ao quarto onde se deita e contempla pela janela aberta o céu estrelado ou nublado com o mesmo respeito e agradecimento a Deus, e dorme na certeza de que agora os binóculos estão com Ele, que lá do Firmamento, ou quiçá daqui da terra, está enxergando todos os seus deslizes no lençol que divide com alguém. E volta o amanhã e a vermelhidão no céu anunciando o novo dia bordado de movimentos. Junto vem a certeza de que cada um tem suas rodas a movimentar!
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(*) Seu Pedro, Pedro Diedrichs, é ainda jornalista do jornal Vanguarda de Guanambi, e vem sofrendo muito aos observar os políticos brasileiros, e também os da região. Seu coração, antes estenosado, hoje graças a Deus operado, não está resistindo a tanta safadeza em todas as esferas públicas, e diz: “felizes são os que assistem da varanda”.