Pagãos

Nos meus tempos de menina, no interior do Ceará, eu costumava empreender grandes aventuras pelos monturos do bairro, sozinha ou acompanhada pelas amigas igualmente danadas que se intrigavam de mim a propósito de coisa nenhuma. Assim, apartada das demais, no mais das vezes eu andava sozinha.
Nessas andanças, comendo galinhas de melão-caetano, canapuns maduros, aterrorizada pelos manés-magos e levando carreira de abelhas, conhecia paragens encantadas, como o pedaço de relva macia no meio dos arbustos, a latada de maracujás em flor e, é claro, os montinhos. É deles que essa prosa trata.
Os montinhos, na verdade, eram pequeninas sepulturas de bebês natimortos. Os pais, por não terem condições de comprar um lote no cemitério local, enterravam seus anjinhos ali mesmo, protegidos pela mãe natureza.
Sempre que encontrava um montinho desses eu parava e me punha a observar. Porque dizia a lenda que, junto a essas sepulturas, se alguém ouvisse um chorinho de bebê, teria que dizer "eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", porque tratava-se de um pagãozinho que precisava ser batizado antes de entrar no céu. E eu queria muito abrir a porta do céu para um anjinho.
Ficava assim por uma meia hora, escutando atenta. Mas não ouvia nenhum bebê chorar.
Até que um dia aconteceu.
No quintal de uma das inúmeras casas em que moramos havia uma verdadeira floresta aos meus olhos de criança. A grande moita de marmeleiro servia de cagador e suas folhas grandes substituíam perfeitamente o papel higiênico. Todos usávamos o banheiro natural.
Certa feita, pela boca da noite, me deu vontade de "ir ao banheiro". Arrodeei o oitão, temendo uma provável queda das escadas da cozinha, e fui aliviar minhas necessidades fisiológicas. Carinhosamente falando: cagar.
Era noite de lua, eram brancas como neve as folhas de cançanção. Dessas eu devia manter distância; seus minúsculos espinhos, em contato com a pele, causavam uma ardência insuportável, dor, brotoejas.
Peguei um pauzinho para riscar o chão e uma folha de "papel higiênico". Muito satisfeita da vida. Quando do de repente ouvi:
"Ueeeeen..."
Um chorinho tão sentido, meu Deus. Finalmente chegara a minha vez de abrir a porta do céu para um anjinho.
Mas qual; fui tomada por imenso pavor, nem me lembro se vesti as calças nem como subi as escadas da cozinha que eu tanto temia. Só sei que de um salto eu estava dentro de casa, apavorada, a mãe fazendo tranquilamente o baião de dois pra janta.
Contei chorando, tremendo, gelada, minha experiência sobrenatural. Era para a mãe me ter pego no braço ou pelo menos me dado água com açúcar, certo?
Errado. A mãe não moveu um dedo em minha direção.
"Tu não escutou nada não, abestada." E assoprou o fogo do fogão a lenha.
Mas eu ouvi. Juro que ouvi e nunca esqueci. De lá pra cá tive outras experiências com o mistério. Próxima vez que a gente prosear me alembrem.