Yes, nós temos bananas - ou paleta de cores[1]
 
 
          Para justificar a minha decisão de não trocar a foto do perfil no Facebook, achei que uma simples postagem de umas cinco linhas não daria conta de explicar. E, então, tagarela que sou, resolvi escrever esse texto.
          Em 2010, estava nos Estados Unidos com um grupo de brasileiros. Pelo menos um rapaz do grupo era homossexual. Uma das pessoas mais educadas e críticas (no sentido positivo) com quem já tive contato. Para as mulheres do grupo, o rapaz era um “desperdício”. Todo mundo sabe o que significa dizer que um rapaz gay seja um desperdício. Não preciso explicar aqui.
          A coisa era que isso não era dito na frente dele. Antes de ele se afirmar como gay, havia piadinhas e tentativas de descobrir – uma das pessoas vivia dizendo que ia apresentar a filha dela para o tal rapaz. Depois que souberam, as pessoas fingiam ser super “pra frentex” com ele. Uma delas, a que mais falava contra o homossexualismo e do desperdício que o rapaz supostamente era, virou até o símbolo de pessoa mais mente aberta. Na minha língua, isso se chama hipocrisia, falsidade. Sim, pois quando o rapaz perguntou sobre nossa opinião acerca do homossexualismo, todo mundo ficou quietinho. Eu disse que possuía uma opinião com base religiosa de casamento ser entre homem e mulher, mas meu senso de justiça, falando mais alto, não conseguia conceber que o direito civil se interligasse à religião. Afinal, a religião é escolhida. Segue quem quer. Ser humano ou mesmo cidadão é para todos e os direitos precisam ser igualitários.
          Recebi alguns olhares constrangidos. Como assim? Homem casar com homem? Mulher com mulher? Era como se o pessoal mais “prafrentex” até aceitasse o homossexualismo. Mas, ó, só na clandestinidade. Dar direito para esse pessoal de casar? Isso me lembrou a justificativa dos racistas que tentam dizer que não o são: eu até tenho um amigo preto, pretinho! Então, a pessoa diz que não é homofóbico: até tenho um amigo viadão!
          Avancemos no tempo.
          Leciono para os mais variados tipos de pessoas, óbvio. Entre eles, os diversos tipos de homossexuais – homens, mulheres, mais expressivos, mais contidos, gente com mais bom senso e menos também. Enfim, para alguns deles, quando o assunto gira em torno de religião e homossexualismo, costumo dizer o mesmo. Não se pode obrigar a religião a mudar. Cada uma tem uma doutrina e seus dogmas. Segue quem se identifica ou sente que tem que seguir. Contudo, não concordo que a religião possa determinar as leis ou deixar de defender as causas das chamadas minorias. Cada vez mais adiciono minha visão materna sobre o assunto. Se eu, imperfeita, não consigo imaginar deixar de amar meu filho em hipótese alguma, poderia Deus, em sua perfeição e amor infinito incondicional, deixar um filho seu sem amor?
          E se você nesse instante pensa: ah, Deus ama o pecador, mas tem aversão ao pecado, então voltemos às escrituras e atire a primeira pedra quem está livre de pecado...
          Creio que há duas liberdades sendo discutidas e, talvez, as pessoas que estão se massacrando e xingando umas às outras nas redes sociais só estejam vendo um lado. Uma é a liberdade religiosa. Outra é a liberdade referente ao casamento gay como direito civil.
          Explico melhor: não concordo com manifestações que desrespeitem as crenças religiosas – sejam quais forem. A liberdade religiosa deve ser protegida. Claro que isso não inclui apenas as manifestações LGBT. Uma manifestação religiosa também não tem o direito de ferir o que é sagrado para outra religião (o que já é história para outro texto).
          O fato de uma pessoa não ser a favor do casamento gay por acreditar que o casamento deva ser entre um homem e uma mulher não a classifica necessariamente como homofóbica. Ela pode ter essa crença religiosa e, ainda assim, não apresentar as características de repugnância, medo, ódio ou preconceito contra qualquer homossexual (incluindo aí lésbicas, bissexuais ou transexuais). Conheço assim de gente que respeita o outro, embora não concorde com o homossexualismo.
          Sim, conheço assim de gente de várias religiões, incluindo os grupos evangélicos que foram rotulados de preconceituosos, que, apesar de suas convicções religiosas, são simpatizantes dos direitos dos homossexuais. Conheço um monte de evangélicos que são bem informados, antenados, que compreendem que a questão do homossexualismo vai muito além do certo ou errado, pecado ou santidade. É muito menos preto no branco. Talvez muito mais do que apenas as sete cores do arco-íris. É uma paleta de cores com nuances ricas e variadíssimas.
          Discordo veementemente de qualquer atitude (com palavras ou ações, sutis, debochadas ou violentas) contra a questão da sexualidade, que é algo pessoal. Sou contra aqueles que apedrejam, mutilam, implicam, fazem piadas, fingem não ter preconceito. Sabe aquele que só finge para ficar bem na frente da pessoa; aquele que coloca foto colorida na rede social, só para dizer que está antenado, mas fala do gayzinho do trabalho; aquele que expulsa filho gay de casa; aquele que chama o outro de desperdício por ser gay, aquele que fala que determinada atitude é tão gay? Então, estes e outros não mencionados também jogam pedras com os que praticam ações hediondas contra o homossexual.
          Conheço gays que sofreram por anos em igrejas (das mais variadas religiões, deixemos claro), por quererem mudar e não conseguirem. Muitos desses sentiam-se culpados e terríveis pecadores. Será que suas orações valiam menos que as daqueles considerados santos? Vi casados se assumindo, por assim dizer, e tomando a coragem de sair de casa e viver sua vida realmente. Vi gays se casando – com pessoas do sexo oposto – porque o peso de viver em uma sociedade preconceituosa é torturante. E eu me pergunto quão torturante é esse peso que os faz se submeterem a uma vida conjugal sem sentido. Vi casamentos sendo arranjados e forçados, para tentar “salvar” a pessoa com tendência homossexual. Esqueceram de um detalhe: não é a questão corporal que está envolvida.
          Conversando esses dias com um aluno, depois do massacre à transexual que apareceu na manifestação “crucificada” e foi crucificada nas redes sociais, falávamos que as pessoas estão mais interessadas em saber quem está dando o quê para quem do que em vivenciar mais o amor de que tanto falam. E ele resumiu bem. É isso. É a questão do amor que você sente pela pessoa do mesmo sexo; não é uma genitália friccionando em outra do sexo oposto que vai dizer se a pessoa é hetero (bem, ele não usou esses termos, mas está valendo). É o amor que se sente no coração.
          No ano passado, nas minhas turmas do nono ano, trabalhamos os vários tipos de preconceito, elencados e votados por eles mesmos. No quarto bimestre, ao trabalharmos sobre o sexismo, logicamente englobamos a questão do homossexualismo. Depois de um certo debate, um menino, oriundo de uma igreja mais tradicional, por assim dizer, afirmou não aceitar que não houvesse cura para esse mal espiritual. Daí, ele me perguntou com toda a sinceridade: como uma pessoa se torna gay, professora?
          Eu disse a ele que eu gosto de homem. E não entendia como ele conseguia beijar meninas. Era tão estranho para mim. Eu não consigo me imaginar beijando uma mulher de jeito nenhum, completei. Ele me olhou encabulado. Mas é o natural, professora. Foi sua resposta. E eu repliquei: sim, é o natural. A pessoa não acorda um dia e decide: sabe de uma coisa?  Vou ser gay. Ele sente atração natural pelo outro. Só que por uma pessoa do mesmo sexo. Ai, gente, será que não é tão simples assim?
          E isso depois da Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013. Ironicamente promulgada no mesmo mês da libertação dos escravos, com um dia de diferença. E se mesmo cento e trinta anos depois, vemos que uma lei não mudou a mentalidade racista em nosso país (o que também seria assunto para outro texto), o que dizer de uma resolução que nem lei ainda se tornou? Então, digam-me, o que mudou no país que apresenta o maior número de crimes homofóbicos no mundo? Um avanço, claro. Um direito sendo garantido já é um avanço. E não aplaudam os Estados Unidos, dizendo que lá não há homofobia, pois o país ocupa o pódio com o Brasil, sendo considerado o terceiro em números de crimes da mesma natureza (Veja AQUI). Sim, um país de primeiro mundo, com a mente aberta, como vi muitas pessoas com fotos coloridas justificarem demonstrando desconhecimento sobre o assunto. #SQN
          Claro que leis são avanços e ainda precisamos ficar atentos em nosso próprio país (como você pode ler AQUI e AQUI).   Obviamente, fiquei feliz por meus amigos homossexuais com a decisão americana. Com meus amigos homossexuais americanos, deixemos claro. Afinal, os Estados Unidos não foram pioneiros nessa decisão (Veja a lista AQUI). Havia ainda estados que não permitiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo.  
          Minha pergunta, seguindo na linha do raciocínio das comemorações desses dias foi: por que não houve a mesma celebração por aqui em 2013? Onde se esconde o preconceito das pessoas? Na incoerência? Muitas nunca tinham ouvido falar da resolução brasileira. Outras estavam achando que no Brasil só se podia ter união estável, não casamento civis. Minha gente, concordo em celebrarmos o amor e seus avanços nos vários países. Mas, com coerência. Muitos publicaram que o Brasil precisava imitar a iniciativa dos Estados Unidos! Sim, ainda louvamos produtos tipo importação. Porque para exportar, yes, nós temos bananas!
          O que critiquei ontem foram justamente esses aplausos, dizendo que o amor venceu. Venceu lá? E venceu aqui? Não nos iludamos. Claro, é um passo necessário para assegurar o direito de as pessoas se casarem com quem seu coração mandar. Mas, muito mais do que viver a letra da lei, precisamos viver o espírito dela.
          Então, não mudei minha foto porque no Brasil a gente já tem a lei. Falta o espírito. Não mudei minha foto, porque os aplausos só para o que vem de fora sem reconhecer o que já se faz em nosso país é ignorância ou, pelo menos, ingenuidade. Não mudei minha foto porque o amor ainda não venceu completamente, lamentavelmente. Não mudei minha foto porque ela já é colorida. Olhe lá. Toda multicor.
          Mas como sempre digo, essa é só minha opinião. Cada um manifesta o que sente do jeito que quiser. As minhas cores estão sempre aqui – não importa qual país mude sua legislação. Não importa se exista ou não aplicativo para mudar. Só não dá para ignorarmos o que acontece no nosso próprio quintal.
          Porque quero celebrar o dia em que eu não  precise mais utilizar minhas aulas para tentar conscientizar meus alunos sobre a questão do homossexualismo. Quero que eles encarem as escolhas como pessoais, intransferíveis e naturais. Quero que meu aluno homossexual não precise me perguntar se pode falar do noivo da sua redação de língua inglesa. Afinal, o hetero não me faz essa pergunta. Quero que ele não precise me chamar em voz baixa para falar sobre isso. Quero que colegas professores que fingem ser mente aberta não achem errado o aluno postar fotos com seu companheiro, dizendo que isso é absurdo ou fim do mundo. Quero que meus alunos não precisem vir ao final da aula e me dizer que, finalmente, encontraram alguém que os entenda. Porque quero que todos nós sejamos compreendidos. Quero que não apenas as mães apoiem seus filhos homossexuais, mas que os pais também desenvolvam esse amor, em lugar da vergonha que alguns nutrem. Quero que meu aluno adolescente não seja transferido de escola porque a mãe descobriu que ele está apaixonado por um colega. Quero que não haja mais homossexual sendo esfaqueado, apedrejado, torturado, morto, a cada vinte e oito horas no Brasil (leia AQUI). Quero não precisar ouvir aquela famosa frase: “Eu não sou homofóbico, mas...”, pois é um recurso sintático da intolerância. Quero que meus amigos gays não tenham medo de sair nas ruas de mãos dadas com quem eles quiserem. Quero que as pessoas sejam menos ignorantes e mais tolerantes. Que sejamos abertos ao diálogo, que nos coloquemos no lugar do outro. Aliás, quero que a compreensão e respeito sejam condição sine qua non para sermos humanos. Ah, sim, quero que deixemos de cultuar o que vem de fora e lutemos por avanços nesse sentido no nosso país também.
          Não é preciso ser homossexual para lutar ou ser simpatizante dos direitos dos homossexuais (como disse uma amiga, não importando qual país avance na legislação). Mas, por favor, também não é homofóbico quem deseja que se respeite a sua crença religiosa acerca do casamento para pessoas do mesmo sexo. Só repito: religião não pode intervir em direitos civis, em minha opinião. Já vi pessoas taciturnas, sendo apenas preto ou branco. Já vi arco-íris de lutas incansáveis. Creio que, no fundo, precisamos de uma paleta de cores de mais amor não fingido, de mais respeito verdadeiro. De ambos os lados. E aí, poderemos ver as true colors uns dos outros, não apenas em fotos, mas brilhando por dentro e irradiando mais luz e paz ao nosso redor.
 

[1] O título do texto nem ia ser Yes, nós temos bacanas, mas em virtude de uma postagem que fiz ontem no Facebook ter se tornado motivo de repulsa por pessoas que não o entenderam, resolvi deixar assim. A postagem dizia: Tenho vários motivos para não trocar minha foto do Facebook (alusão às fotos com o arco-íris após aprovação do casamento gay pela  Suprema Corte dos Estados Unidos), mas uma delas é a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013. Daí eu falei que muitos brasileiros sequer conhecem a resolução e ficaram aplaudindo o que vinha de fora como novidade, mas não celebraram esse avanço no Brasil. Por quê? Questionei por que não houve igual comemoração em 2013. E terminei: Yes, nós temos bananas. Foi tido como homofóbico. Numa boa: Bye, Felicia!
Yes, nós temos bananas - ou Paleta de cores?
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 28/06/2015
Reeditado em 08/05/2020
Código do texto: T5292324
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