LIBERDADE NA POESIA

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Os poetas devem gozar da liberdade de ousar no seu modo de versejar?

Quintus Horatius Flaccus, Horácio para nós, filósofo e um dos maiores poetas da Roma Antiga, achava que sim: "Aos poetas e aos pintores sempre foi concedida a liberdade de ousar qualquer coisa".

Gonçalves Dias, no prefácio dos Primeiros Cantos, também não escondia sua preferência pela ousadia poética: (...) "Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera convenção; adotei todos os ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir. (...)"

Mas não pense que a “ousadia poética”, por força do termo, é privilégio de versos livres. Pode acontecer, também, nos poemas tradicionais.

Observe estas duas estrofes da tradução que o poeta Visconde de Castilho fez do Fausto, de Goethe:

Catava-se um rei, quando acha

Nas suas meias reais

Uma grande pulga macha

Pai-avô e Adão dos mais.

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No clero, nobreza e vulgo

Foi imensa a admiração,

A primeira vez que o pulgo

Se mostrou de fardalhão.

O vocábulo "pulgo", empregado com a intenção de rimar com vulgo, é produto de uma ousadia poética; pois, esse termo, não havia nos dicionários e nem no vocabulário da época, muito menos nos de hoje.

Luís Lisboa do Maranhão foi mais ousado, ainda, em sua poética. Veja o soneto “A uma deusa”, atribuído a ele, perfeito na métrica e nas rimas. Transcrevo apenas as duas últimas estrofes:

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Teus lindos olhos têm barcalantes

São camencúrias que carquejam lantes

Nas duras pélias do pegal balônio.

São carmentórios de um carce metálio,

De lúrias peles em que pulsa obálio

Em vertimbáceas do pental perônio.

Na primeira passada de olhos percebe-se a ousadia do poeta: a maioria das palavras registradas em seu soneto não consta em qualquer dicionário da língua portuguesa. Pura invenção. Na melhor das hipóteses, essa ousadia tinha mais um caráter de gozação, a qualquer outro.

Agora um exemplo, em versos livres, do ilustre poeta Carlos Drummond de Andrade, dando total liberdade a sua imaginação e ousadia, em “A Paixão Medida”:

Trocaica te amei, com ternura dáctila e gesto espondeu.

Teus iambos aos meus com força entrelacei.

Em dia alcmânico, o instinto ropálico rompeu, leonino, a porta pentrâmetra.

Gemido trilongo entre breve murmúrios.

E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,

senão a quebrada lembrança da latina, de grega, inumerável delícia?

Nesse poema, Drummond, usou vocábulos talvez nunca registrados até hoje na poesia, mas que existem, existem, de fato. O que o levou a fazê-lo?

Pois é, Horácio tinha razão quando se referiu a essa mágica arte poética que admite tais excentricidades. Admite porque a poesia, o poema é palavra.

"O poeta é poeta não pelo que pensou ou sentiu, mas pelo que disse. Ele não é criador de idéias, mas de palavras. Todo seu gênio reside na invenção verbal."

(Jean Cohen, professor e crítico literário)

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Se você encontrar erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 16/06/2007
Reeditado em 03/06/2013
Código do texto: T529207
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