DESMIOLANDO O PASSADIO

DESMIOLANDO O PASSADIO

Flávia Arruda

Não acredito que eu fiz isso. Ainda me custa crer que fui capaz de fazer isso. Oh Céus! Como pude cometer tamanho pecado...

Eu havia jurado, de dedos cruzados, que nunca mais faria aquilo. Jurei de pés juntos, com os dedos médios das mãos atravessados por cima dos dedos indicadores. Eu tinha prometido a mim, e a todos os santos, que não sucumbiria aos desatinos dos meus desejos, das minhas vontades e dos meus impulsos. Eu sei, tenho impulsos incontroláveis, desejos imensuráveis e vontades estrambólicas. Sou assim, como cantou o poeta:

“Exagerado

Jogado aos teus pés

Eu sou mesmo exagerado...”

Conhecendo-me, como bem me conheço, deveria ter fugido já no primeiro encontro, no primeiro olhar. Essa história de querermos provar que somos fortes e que temos a capacidade de enfrentarmos nossas fragilidades é puro papo furado. Afinal, a quem queremos enganar, senão a nós mesmos?

Pois bem, lá estava ele. De longe eu o avistei, nem branco nem moreno, um pouco maior que os demais. Sim, ele estava acompanhado por mais outros dois da sua laia, todos farinha do mesmo saco. Ora, ele era cabido, amostrado e muito sedutor. Sobressaía-se entre os demais. Uma tentação. Ele me fitava com aquele olhar pidão, o seu flerte era envolvente. Definitivamente, ele era delicioso, uma gostosura. Deixei-me ser derrotada pela sua beleza e encantos. Confesso que não fiz esforços para vencê-lo. Seu olhar hipnótico me fez desistir de resisti-lo.

Por instantes eu perdi a razão, parti, sem pudor, para cima dele, entreguei-me aos prazeres, deleitei-me ao provar do seu gosto. Ele era macio, crocante e estava pegando fogo... Uiii, que delícia!!!

Eu estava insaciável, queria mais... Ele era um pão, e muito gostoso por sinal. Mas não foi o bastante para matar minha fome. Os outros dois bem que tentaram fugir de mim, mas como uma boa predadora, devorei-os num bote só. Eu esqueci até dos acompanhamentos, que os deixam ainda mais apetitosos, tamanha era a minha gula.

Agora estou eu cá, com meus botões, morta de satisfeita e nem um pouco arrependida. Comi três pãezinhos franceses depois de uma longa jornada de jejum. Depois de muitos anos de dieta, privada de comer pães, biscoitos e bolos deliciosos e bem quentinhos (adoro bolo quente, desenformado e comido). O que ainda me conforta é o fato de tê-los comido sem manteiga, só com o cafezinho preto – sem leite integral.

Acho que, de vez em quando, não há mal nenhum em sucumbir aos desejos, realizar algumas vontades e ceder aos impulsos, desde que de forma moderada e sadia. Creio que uma vez por mês, ou a cada dois meses, uma loucura dessa não vai me engordar ou alterar as taxas de glicose e colesterol. O perigo mesmo é o de me viciar.

Aff, eu já estou aqui pensando no próximo pão que vou comer. Desta feita não irei abrir mão de uma tora de queijo de manteiga e do café pingado. Ô pãozinho francês gostoso sô!