A Latere 8

A Calçada Portuguesa

Partiam os saltos e não davam segurança na marcha. Umas vezes eram escorregadias, outras a irregularidade era um perigo. Ser diferente, bonito e característico não compensava nem os gastos nem os riscos na opinião emotiva de Susana. Ela era contra a Calçada Portuguesa por todas as razões e nenhuma graça achava nos desenhos a preto e branco que se haviam internacionalizado em muitos pontos do globo onde se fala português e, adaptados, em muitos outros lugares. Os americanos, com técnicas diversas, nivelaram as pedras, acrescentaram-lhes estabilidade e – pasme-se – até um polimento que tornava a calçada um verdadeiro luxo de beleza e segurança. Aqui, no entanto, ninguém queria saber disso e as pedras, brancas e pretas, continuavam a ser, uma a uma, afagadas pelas toscas mãos dos operários, analisadas e partidas a golpes certeiros para cumprir os limites da forma que gerava o desenho no empedrado. Era um trabalho moroso e delicado a que ela prestou atenção quando o homem que reparava o empedrado em frente da sua casa começou a olhá-la com admiração e afeto. Sentiu-se lisonjeada primeiro e interessada depois mas ele era tímido e a história acabaria aqui se, ao chegar da fábrica, Susana não tivesse encontrado em frente da sua porta, em pedras vermelhas, um coração e as suas iniciais integrando o desenho previsto para os passeios daquela rua. A intervenção seria tapada com areia para passar sem reparo aos olhos do fiscal, explicou-lhe o homem baixando os olhos. Fica aqui uma lembrança. Sinto que a menina merece. E, naturalmente, Susana mudou de opinião. A Calçada é para manter, passou a garantir veementemente.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 24/06/2015
Reeditado em 23/07/2015
Código do texto: T5287818
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