A ROLA DOS MEUS TEMPOS
Carlos Sena
 
“Teve pena da rolinha que o menino matou, mas depois que torrou a bichinha, comeu com farinha... gostou. Mas depois que torrou a bichinha, comeu com farinha... gostou. Fogo pagou, fogo pagou, fogo pagou... tem dó de mim” (...).
 
A música Fogo Pagou de Luiz Gonzaga é uma das minhas preferidas. Em Bom Conselho, minha terra, fui marcado por essa canção. Eu viajava no universo da “peteca” ou das baladeiras que os meninos caçavam as rolinhas fogo pagou. A gente fazia nossas petecas. Uma forquilha em forma de “Y” e pronto. Duas tiras de borracha feitas de câmara de ar de caminhão ou de bicicleta e pronto. Lá estava feita a mais triste das perseguidoras das nossas Rolas, ou rolinhas fogo pagou como são mais conhecidas. Nunca matei nenhuma, pois não era esse meu brinquedo preferido. Confesso: até tentei matar alguma, mas não tinha sucesso em meus intentos. Isso foi muito bom pra mim, pois foi na musica de Gonzaga que eu mesmo tinha pena das bichinhas. Certa feita,vi uns meninos passando com o bornal cheio de rolas mortas. Sempre achei triste e, talvez, por isso nunca me aventurei matar rola. Nunca rolava na minha cabeça esse “assassinato” de quem só vivia pra cantar “fogo pagou”, “fogo apagou” (eu ainda HOJE não sei se é “fogo pagou ou apagou”).
Já no Recife, nunca ouvi essa canção como gostaria. As rádios não tocam mais essas pérolas gravadas no passado passado a ferro. E foi nesse marasmo de saudades da “rola” que uma Selma do Coco evoca sua alma sertaneja e retoma a “rola” numa canção  de gosto duvidoso, mas que me retomou a referência musical dessa ave tão simbólica da minha infância. Hoje, infelizmente, a rola volta ao noticiário não na forma que a canção de Gonzaga me alegrava. Coitada da Rola! Deixa de ser ave (ave Maria) e passa a ser falo (falo falho) numa briga de  cachorro grande: Silas Malacraia e o brilhante jornalista Boechat. Este, em resposta a Malacraia (tido e havido como homofóbico) mandou o pastoreco procurar um rola. Assustei-me, confesso. Pois embora eu tenha fama de “avançado demais” rola não me remete a falo. Falo por mim na melhor na lembrança do alho. Porque se tomate tá caro, caro é alho. Pudico, não? Pois é. Toda araruta tem seu dia de mingau e hoje estou na crise do mingau, mas passa logo. Fato é que a pobrezinha da rola que “o menino matou, comeu com farinha e gostou” virou notícia nacional. Em todo caso, Dona Selma que já está noutra dimensão da vida, deve estar arretada, pois sua “rola”, com certeza, não daria ao Silas Malacraia. Mesmo porque isso deve ser coisa que ele já tem há tempos. Ou não? Problema dele. O meu é a saudade da verdadeira rola, ou da rolinha dos meus tempos em que os meninos, por equivoco da “cultura local” matavam a bichinha, comiam com farinha e gostavam. Inclusive eu. Nunca matei, mas já comi muita rola assadinha na brasa com uma dosezinha de cana num boteco qualquer da minha terra.