Divina ferramenta
A enxó é que era o maior xodó de tia Vicentina, entre poucas ferramentas que Vô Velusiano deixara. Seleiro de profissão, sem muita demanda de serviço, mas com a filharada já empregada na fábrica de tecidos, o Vô, no repuxo, podia se dar ao luxo de um descanso a si e àquele modesto mas presto arsenal que amealhara ao longo de anos e anos de porfia.
Membros centrais do grupo eram a torquês, o vazador, o compasso, o sovelão, a sovelinha, e mais alguma ou outra coisinha. Uns aparelhinhos de madeira pra prender sola, solamente...
Serrote, foice, alavanca, a enxada e a enxó faziam parte de outro grupo menos coeso, mas de utilidade pros afazeres do quintal. Embora de aspecto primitivo, a enxó (vai ver que pode bem ser inxó, inchó, enchó... se algum pre-Aurélio houvesse por bem registrá-lo) é que chamava mais a atenção dos sobrinhos, e, portanto, mais cuidados merecia de Tia Vicentina.
Dizia ela que era perigoso criança querer manusear uma ferramenta como aquela, afiada ela, composta de uma lâmina presa a um cabinho meio encurvado que fazia o papel de uma plaina, ou dum desbastador de madeira.
A única parecença que nele, ou nela, vi foi numa gravura das antigas de São José, o carpinteiro, que a empunhava enquanto trabalhava uma madeira e o menino Jesus brincava ao redor, sob o olhar plácido de Maria. E de tia Vicentina.