Eis a questão

"Você né homem não"? Desde cedo tive de conviver com este questionamento! "E essa voz?", "Essa munheca quebrada", na prova dos nove, ser homem era coçar o saco e por para os amigos cheirarem; era sentar de perna aberta, comer à vontade e depois arrotar, fazer concurso de arroto, viver no sol até o suor escorrer. Em roda de esquinar, liberar os gases, peidar de forma que queimasse o rabo ou estrondasse tudo só para os outros dizerem: "tu tá pode, meu, comeu ovo goro ou um urubu?" É, porque do cu do macho só saia, nada entrava, a não ser os dedos dos colegas brincando de dedada. E dedo vai, dedo vem, ser homem era brincar de pião só pelo prazer de dizer no final que lasquei seu pião em duas bandas, com força, sem cuspe e sem piedade e se assim não fosse,a falta de sossego! "Cê né homem não, será que é?" E daí uma enxurrada se nomes: bicha, viado, baitola, gay, fresco, mulherzinha, cocotinha, puto, chupa rola, vaza pito, arrombado, delicado, pato, bruxo, gazela... E diante de tantos nomes, você cresce e pensa: "E se eu não for do jeito que você quer? E se não for como você pensa?!!" Qual problema! Qual problema da minha fala fina, da minha mão desmunhecada, do meu jeito de gazeta? Qual o problema do meu dedo mendinho ficar alongado na hora do cafezinho, se alongo as sobrancelhas, sento de pernas cruzadas e ponho a mão no queixo? Se digo "tou morta", passo a língua nos lábios e quando me perguntam: sujasse as unhas?! E eu abro as mãos em leque, diferencio seda de cetim e ando desfilando?! Qual o problema se vou para a escola carregando o caderno de lado e na hora do intervalo fico com as meninas assistindo ao jogo de futebol? Se diferente delas eu fico olhando para quem tem mais volume e penso em quem tem a maior mala, fazendo comparação ou mesmo olhando para o rabo suado e pensando que se deixar, passo a língua mesmo assim! Mesmo assim, se no banheiro uso a cabine isolada e fico brechando pelo buraco da fechadura as mijadas, as balançadas e ouvindo as conversas e as comparações entre vocês? Quando me dizem que sou louco, digo na mesma hora que louco é quem me diz quem não é feliz, eu sou! Sou feliz do jeito que sou: posso subir no salto e inventar minha passarela, botar peito, ter peitão, bumbum, crescer o cabelo, bater cabeça e dizer: tá boa bonita! Posso mudar o nome pelo meu nome, o que me representa na realidade. Na realidade, posso encontrar os meus iguais, lutar, dá bandeira, ser ativista, construir minha identidade, ter orientação, subjetividades. E quando alguém, hoje, perguntar se sou ou não homem, posso dizer: Não sei, nunca deixaram que eu escolhesse, mas se você quer duvidar, olha bem para o meu nome, sou sim, com h, e como sou!

Marcus Vinicius - DêBandeira você também!