A verdadeira história do patinho feio

As escolas estão cheias de patinhos feios, embora os livros didáticos estejam recheados de belas princesas, todas brancas, de cabelos loiros, olhos a zuis ou verdes, pele delicada e pés de cristais! Nenhuma delas tem nariz escorrendo, comem algodão doce ,tem o corpo mais cheio ou cabelos crespos, imaginem a pele escura.

Os príncipes são homens de corpos definidos, todos sabem embainhar a espada, tem vida boa, boa alimentação, nenhum tem chulé, ferida nos joelhos, são brancos, olhos azuis ou verdes, cabelos bem cortados e muita força. Nenhum príncipe joga bola, leva sol ou tem pele escura. Nenhum precisa pôr o lixo para fora ou arrumar a cama ao se levantar.

As princesas não têm vontade própria, não podem brincar com areia, subir em árvore nem ter amigos homens. Todas devem sonhar com o príncipe encantado porque ela, a princesa, é delicada, indefesa, sem iniciativa, sem força e sonhadoras! Sonham com a vida perfeita, com o homem perfeito que a vai livrá-la do perigo, colocá-la dentro de um castelo e desse jeito serão felizes para sempre.

Os príncipes são caçadores, vivem em busca de encontrar a princesa bela, linda, perfeita e totalmente inerte para que ele, o príncipe, possa dizer que ela pertence a ele! Que ela foi uma presa fácil, ou difícil!, que o fez ser valente e corajoso para tê-la junto dele. Desse jeito ela será grata a ele para o resto da vida.

Duas realidades em um mesmo ambiente.

A realidade da diversidade que a escola não quer enxergar e a realidade ideologizante dos livros didáticos, reprodutores de valores que não dialogam com os perfis dos estudantes e das estudantes sentados/as naquelas bancas apenas ouvintes de realidades que não condizem com a realidade real.Os príncipes e as princesas da realidades são os verdadeiros patinhos feios da história. As salas de aula não são homogêneas! As características físicas são diversas, diversos são os níveis étnico-raciais. Todos e todas têm hábitos, gestos, atitudes, comportamentos e valores diferentes dos personagens dos contos de fada. Muitas princesas não são nada delicadas: enfrentam os príncipes, sobem em árvores, odeiam róseo, tem cabelos curtos, pés com chulé, são criativas, sarna no rosto, cabelo encaracolado, crespo, afetos e credos diferentes. Também são assim os nossos príncipes: alguns de comportamento mais frio, outros mais quentes. Alguns bem cordiais, outros nenhum pouco. Os corpos são pesados, outros delicados; muitos de pele queimada do sol, mais escura, outros mais claros. Os cabelos são estilosos.

Existem os casos da falta de compreensão de si mesmo: Não se enquadram no perfil das princesas nem dos príncipes, príncipes que se sentem princesas, princesas que se sentem príncipes, os que querem ser príncipe e princesa ao mesmo tempo, os que se vestem e têm nome ou comportamento que não os identificam... A diversidade tomando conta do espaço escolar, e a escola ainda insistindo em reproduzir a cultura do cala a boca, silêncio, sente direito, preste atenção, veja o seu comportamento, isso não é comportamento de homem, desse jeito você vai ficar uma menina falada, feche as pernas, ei! ela é mais delicada que você, vamos separar os lados! meninos aqui e meninas lá e ninguém tem o direito de escolher porque quem diz o que sou é o seu discurso, não a minha vontade, o meu desejo, a minha significação subjetiva do que penso, do que sinto, do que sou na verdade.

Todos patinhos feios! Quem ousa é posto de lado, mal visto, mal compreendido, isolado! E se insistir, já sabe, a punição do isolamento, da segregação, dos apelidos, dos apedrejamentos, da evasão escolar, porque a escola obriga a assistir à aula de religião, de se amedrontar, de se punir, de se sentir sujo, pecaminoso, pecador, preso aos olhos de um deus que olha para você e pune quando não se é do jeito que a sociedade machista e sexista determina dentro de uma ótica heteronormativa.

Discutir a ideologia de gênero na escola é querer uma escola aberta ao diálogo, é fazer o papel protagonizador de ações de empoderamento do sujeito e das suas diversidades. Não adiante mais querer uma instituição de ensino pautada no modelo antigo de educação veiculada apenas para ensinar a ler e a escrever, impedido de patinhos e patinhas se tornarem belos gansos, em lindo voos, com fantásticas asas e promoção de cidadania inclusiva, efetivada no respeito, na igualdade de direito.

Não se pode querer continuar com uma fábrica produtora de um produto já defasado no mercado atual. É preciso pensar em uma instituição humanizada, planejada para uma realidade existente. Não se pode querer uma escola que ainda conte as mesmas histórias da época das cartilhas! O público é outro, os anseios também os são!

Os patinhos estão aí, todos belos com as suas diferenças.

Marcus Vinicius - Coletivo DêBandeira